quarta-feira, 21 de setembro de 2011

EXPLIQUEM-NOS, COMO SE FÔSSEMOS TODOS MUITO BURROS



O senhor doutor Passos que, como vimos, aproveita o estado cadavérico do povo português para o esfolar meticulosamente, já nos explicou que isso vai devolver a vida ao moribundo. E porque é um democrata genuíno, até esclareceu que o tratamento é simples, inovador e eficaz. Nada de receitas ultrapassadas, como aplicava o médico anterior, o doutor Sócrates.

1 – Estabilização (infalível): dose maciça de aumento de impostos;

2 – Tratamento de choque (ainda mais eficaz): congelamento, ou redução, dos salários e pensões;

3 – Pequena cirurgia: extirpação de parte do subsídio de Natal;

4 – Fisioterapia (para evitar recaídas): aumento dos transportes, do gás e da electricidade;

5 – Cura de emagrecimento: aumento dos bens de primeira, segunda e terceira necessidade;

6 – Poção (meramente paliativa): aumento dos medicamentos e das taxas moderadoras;

7 – Mezinha (puramente psicológica): convence o doente que se vai safar desta.



– Ó senhor doutor Passos, este não é o mesmo tratamento, mais coisa, menos coisa, que nos aplicava o doutor Sócrates?

– Ó senhor Silva, nem me fale desse charlatão, que quase o deixou defunto.

– Então, qual é a diferença?

– Eu explicava-lhe, mas você ficava na mesma. Não percebia. Quem andou a estudar fui eu. Por isso é que sou doutor e primeiro-ministro. Tem tudo a ver com o princípio activo, está a ver? O outro, era cor-de-rosa, e este é cor-de-laranja.

– Ah, então está bem.

Não está nada bem, senhor Silva. Pergunte lá ao doutor Passos, e mais ao enfermeiro Gaspar, que medidas já tomaram eles, para além dessas que vimos, para cortar o mal pela raiz. Ou seja: para se produzir mais trigo, mais leite, mais carne, mais azeite, mais feijão, mais grão, mais fruta, mais batata, mais arroz, para se pescar mais peixe e para a indústria produzir aquilo que temos que importar.

Pergunte-lhes isso, senhor Silva. Mas eles que nos expliquem isso muito bem, como se fôssemos todos muito burros, porque ainda não tomaram uma única medida – uma só, que fosse – para nós deixarmos de importar muito mais de metade daquilo que comemos.

As suas melhoras, senhor Silva. E se não mudar de médico, senhor Silva, está feito ao bife.




(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 21/09/2011.

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