quarta-feira, 28 de setembro de 2011

AFINAL, ELES EXISTEM

E, de repente, o senhor Procurador-Geral da República acordou. E, mal abriu os olhinhos, qual outro Gonçalves Zarco, descobriu a Madeira. Curiosamente, também dona Cândida Almeida, responsável pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, parece ter despertado da sua longa letargia e preparar-se para arregaçar as mangas. Mais vale tarde, que nunca. Afinal, a Justiça, em Portugal, existe e, apesar da venda, não é cega, nem surda, nem muda. A malandragem que se cuide. Para já – e por algum lado tinham que começar – vão prestar contas os Albertos. Como há um que fala grosso, é desbocado, um tanto ou quanto ordinário e, apesar de mais ou menos boçal, sempre deixa sair algumas verdades inconvenientes, comecemos por aí.

- O homem roubou? Não consta.

- Comprou a licenciatura? Não. Parece que a dele é verdadeira.

- Recebeu dinheiro para facilitar empreendimentos? Nunca foi suspeito disso.

- A família tem milhões em offshores? Não há indícios de tal.

- É suspeito de peculato? Não senhor.

- Então, de que crime é suspeito? De ter gasto dinheiro a mais em obras públicas? Também não é isso.

- Foi apanhado em escutas telefónicas a conspirar contra o Estado de Direito? Não, senhor.

Então? Parece que gastou mais do que disse que tinha gasto. Por isso, o défice é maior do que aquele que se supunha.

Não me digam! No entanto – e como as obras estão à vista e, principalmente, por o diabo ter uma capa com que tapa e outra com que destapa – parece que todos sabiam que as despesas tinham sido feitas. Ou seja: os surpreendidos estavam informados do que se passava, mas nenhum reagiu aos sucessivos alertas do Tribunal de Contas. Todos? Mas quem? Dois presidentes da República, dois procuradores-gerais da República, três primeiros-ministros, quatro ministros das Finanças, três presidentes da Assembleia da República, dois presidentes do Supremo Tribunal Administrativo, três presidentes do Tribunal Constitucional, três presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e entidades regionais (líderes dos partidos e deputados incluídos). Então, sabiam e deixaram andar?

Mas, afinal, se o défice do país é o que é de há anos a esta parte – e até chegou a ser revisto em alta, várias vezes, muitos meses depois – qual é, exactamente o crime do senhor Alberto, que não possa ser também imputado a todos os que, nas últimas décadas, têm governado o país? Foi só o senhor da Madeira que pôs o país de rastos?

Cá por mim, que se investigue e julgue Alberto João. Mas – façam favor – não se esqueçam de todos os outros que deram cabo disto tudo, a começar num tal Soares. E a acabar num tal Sócrates, este não só pela gestão danosa do país, como por todas as trafulhices em que se viu metido.



Ah! Já me esquecia: nessa altura, o senhor Procurador-Geral da República e a dona Cândida ainda estavam a passar pelas brasas.

Ou não…



(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/09/2011.

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