Um escrevinhador da nossa praça, chamado João Vaz, que costuma bolsar no Correio da Manhã, escreveu há dias este lindo naco de prosa, inspirado na nomeação de senhor Catroga para a EDP: «Não há nada, em Portugal, melhor do que um ricaço para atear uma grande discussão». E mais adiante: «Os ricos não são o problema do País. O que deve preocupar Portugal são os pobres e como alterar o seu destino».
Ele não sabe – ou sabe e finge que não, o que seria muito feio – que já Almeida Garrett (que não era comunista nem dirigente da CGTP), denunciava que eram precisos milhares de pobres para se fazer um rico. Qualquer parvo sabe isto, embora, pelos vistos, qualquer espertalhão possa fingir que não sabe.
O problema do país é precisamente que nele se enriquece – ou empobrece – não em função dos méritos de cada um, ou do que cada um produz, mas da forma como o sistema político, vassalo da alta finança, estrutura a pirâmide social. Hoje, em Portugal, existe cerca de um milhão de desempregados. A sua esmagadora maioria não está no desemprego por vontade ou culpa própria. Mesmo um português que receba o salário médio nacional, que está abaixo dos 900 euros, empobrece significativamente todos os dias, quer por via da inflação, quer por via dos cortes salariais que o poder político, a mando dos «investidores» – dos ricos – decidiu fazer nos seus já paupérrimos salários. O pior é que o salário médio nacional parece uma fortuna para cerca de 350 mil portugueses que recebem o salário mínimo.
O escrevinhador não explicou, certamente por falta de espaço, como é que os desempregados – os que perderam o emprego e os que não o conseguem, por mais que se esforcem – mais os que ganham entre o salário mínimo e o salário médio, mais os que têm pensões ainda mais baixas, mais os pequenos e médios empresários que todos os dias fecham as portas, e que vivem no pavor de terem que ver a fome invadir-lhes a casa – se ainda a tiverem – e a miséria destruir-lhes literalmente a vida, hão-de alterar o seu destino. Ou que poder político o quererá fazer.
O rico Catroga teve o mérito de ser escolhido pelos chineses, que foram à lista telefónica e gostaram do nome. Quanto aos pobres, coitados, talvez se safem se seguirem a dica do Álvaro e começarem a fabricar pastéis de nata.
Não há dúvida: entre pulhas e totós, a sangria continua.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 18/01/2012.
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