quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

OLHE QUE O FAZIA MAIS NOVO, Ó SÔ SILVA!

Ó sô Silva, desculpe lá eu andar para aí a pensar que vossemecê vivia bem! De facto, 1.300 euros, depois de quase 40 anos de descontos, não dão para nada. Nem mesmo com aquele biscate na Gulbenkian. Claro, falta aqui mais qualquer coisita por mais quase 30 anos de descontos no Banco de Portugal, no nível 18, o mais elevado da banca. Mas isso vai dar o quê? Nada, nadinha de nada. Uns trocos. Claro que não dá para as despesas de manutenção daquela vivendazinha lá no Algarve, não é? Ah, pois, essa foi comprada com as poupanças. Já me esquecia que vossemecê, ó sô Silva, sempre foi muito poupadinho. Vossemecê e mais a sua Maria. Deus os fez, Deus os ajuntou.

Mas espere aí: vossemecê foi professor durante quase 40 anos, deu uns palpites na Gulbenkian durante alguns aninhos, e ainda foi funcionário do Banco de Portugal durante mais quase 30 anos? Olhe que o fazia mais novo, ó sô Silva. Isso dá muito mais de 70 anos de trabalho. Mesmo que vossemecê tivesse começado a trabalhar aos vinte e poucos, está para aí – deixe-me cá fazer contas… – está para aí com perto de cem primaveras. Está bem conservado, homem! Só a falar é que se nota qualquer coisita. Umas vezes, não diz coisa com coisa; outras, até parece que não está cá, pois quando se está à espera que vossemecê diga qualquer coisa, não sai mesmo nada; outras, fala com a voz muito entaramelada. Pois é. É da idade, homem!

Sabe o que lhe digo? Ainda vão dizer que vossemecê não é tão velho. Que tem é um clone. E que enquanto vossemecê davas aulas, o clone estava no Banco de Portugal. Ou vice-versa. Ou nesse tempo a Troika já o punha a trabalhar 16 horas por dia? Ou mais, contando com a Gulbenkian.

Sabe qual é a minha sorte, sabe? É que não tenho mansão no Algarve, por isso, os meus 1.000 euros de reforma ainda vão dando para as minhas despesas. Muito à tira, mas ainda vão dando. E a reforma da minha Maria é de apenas 300 euros. Mas amanhã, já não sei se vai chegar. Se aquele tipo do PSD continuar a governar, é bem possível que ainda vossemecê e eu, ó sô Silva, nos encontremos por aí a arrumar carros. Ou a fazer coisas piores, sei lá. É que o desespero, às vezes…

E se para nós é assim, vossemecê já viu o que não será para os desgraçados dos 500 euros? E os pensionistas da reforma mínima? E os desempregados? E os dos salários em atraso? Ainda somos uns gajos cheios sorte. Somos, ou não?

E sabe qual foi a minha maior sorte? É a de nunca ter conhecido ninguém no BPN que me arranjasse um negociozito com acções milagrosas. Era capaz de me ver metido nalguma alhada sem saber explicar muito bem certas coisas.

Sabe quem nos lixou, sô Silva? A ladroagem que nos tem governado! Olhe, eu cá nunca votei neles. E vossemecê?

Seu companheiro de infortúnio.
João Carlos L. Pereira (Reformado do Santander – Nível 9)

PS – Lembra-se de uma carta que lhe enviei a pedir-lhe que demitisse o senhor Sócrates, pois o país estava a ser arrastado para o abismo? Vossemecê fez orelhas de mercador e aguentou o sacripanta ainda mais dois anos. Está a ver no que deu? Então não se queixe, homem de Deus!








Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 25/01/2012.

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