quarta-feira, 30 de setembro de 2009

AS MÃOS SUJAS

Falemos de eleições. O primeiro e-mail que recebi após a divulgação dos resultados eleitorais dizia o seguinte: «O povo português tem o que merece. Incrível!». Corresponde àquilo que eu penso, tal como um amigo meu, que dizia, há dias, que se a maioria do povo português gosta de se rebolar na caca, só porque ela é quente e macia, então que se rebole. Pena é que os que não gostam acabem por ficar sujos na mesma borrada. Mais uma vez subscrevo.

É verdade que o PS perdeu meio milhão de votos. É verdade que o PSD encalhou numa votação muito abaixo das suas expectativas. Mas os dois partidos, que sempre estiveram às rédeas da governação de 1976 até hoje – trinta e três aninhos de recuos e sofrimentos, trinta e três aninhos a roubar o que o 25 de Abril deu ao povo português, trinta e três aninhos de vingança dos banqueiros e companhia, apadrinhada por Mário Soares, Cavaco, Guterres, Durão e Sócrates, entre outros – esses dois partidos, dizia eu, receberam mais de 66% dos votos, prova de duas coisas indiscutíveis: a primeira, é que o crime compensa; a segunda, é que o povo português não tem uma perspectiva social e política da vida, mas deixa-se levar, de maneira mais ou menos acéfala, pela via das simpatias pessoais ou afectos partidários, sem cuidar de saber se eles correspondem aos seus interesses enquanto cidadãos. Enquanto seres humanos.

Os resultados eleitorais – especialmente a votação maioritária nesses dois partidos – é tanto mais incompreensível quanto é certo que eles se acusaram mutuamente, e com toda a razão, de responsáveis pelo descalabro a que o país chegou. Mais desemprego, uma economia de rastos, o país e os cidadãos endividados até aos cabelos, a agricultura e as pescas destruídas, a indústria paralisada, baixos salários, péssimo poder de compra, má Saúde, pior Educação, péssimas reformas e prestações sociais. Com o PSD e, especialmente, com o PS, só cresceram os lucros da banca, a corrupção, a criminalidade, o fosso entre ricos e pobres e a distância entre Portugal e os parceiros europeus.

Esta percepção da vida, da realidade, que todos os portugueses deveriam ter quando se apresentam a votar, é impedida, na prática, pela manipulação ideológica desenvolvida pela maioria da comunicação social e, principalmente, pelo facto de estar instituída, entre o eleitorado, a ideia de que um partido é como o nosso clube. Esta é uma ideia estúpida e, em termos sociais e políticos, verdadeiramente suicida.

É verdadeiramente assustador que o presente e futuro de cada um de nós – e de nós todos, enquanto povo – estejam dependentes de simpatias ou antipatias pessoais, de factores subjectivos e emocionais, e por isso, facilmente manipuláveis, ou da capacidade que um ou outro líder partidário possa ter para intrujar melhor o eleitorado, sem que este possa ou saiba ver e julgar para além das aparências e da poalha espalhada por palavras ditas com a convicção do mais exímio vendedor de banha da cobra.

É verdadeiramente assustador que milhares de eleitores, apenas porque um dia decidiram, por razões puramente aleatórias e emotivas, aderir a um partido, possam a ele fidelizar-se de tal modo que lhe suportem – ou nem sequer as percebam – todas as suas acções, mesmo as que atentam contra os seus interesses mais fundamentais. É pavoroso pensar-se como pode um eleitor do PS ou do PSD aceitar como bom, no seu partido, aquilo que, convictamente, condena no outro. É esta irracionalidade quase imbecil que leva a que os líderes partidários façam gato-sapato do eleitorado e que, no fim, quem fique a rir sejam os grandes beneficiários das políticas que PS e PSD desenvolvem há mais de três décadas, ou seja, o grande patronato, o capital financeiro, em suma, o sistema económico e político que privilegia o capital em desfavor do trabalho.

Por isso, aí estão as gerações dos call-centers, das empresas de prestação de serviços, das cozinhas e balcões dos Mac Donnalds, dos contratos a prazo, da precariedade generalizada, do desemprego, da vida sem horizontes, dos ordenados miseráveis, também chamadas as gerações dos Quinhentos (euros), cada vez mais dependentes da casa dos pais e de trabalhos ocasionais. São, na maioria, peixinhos de aquário que não sabem, sequer, que há rios e mares. Nisso os transformaram.

A abstenção, mais uma vez, venceu a eleições, com uma expressão de quase 40%. E apesar de saber que vou arrepiar os defensores do «o que é preciso é votar», não hesito em dizer que compreendo melhor um abstencionista do que um eleitor desempregado – ou um trabalhador a prazo – que tenha votado PS ou PSD. Se alguém não foi votar (e foram mais de dois milhões) é porque, na maioria dos casos, nenhum partido e nenhum político foram suficientemente capazes de o convencer a isso.

Feitas as contas, Sócrates vai tentar formar governo. A perda da maioria absoluta e de meio milhão de votos vai pôr-lhe, para já, freio nos dentes. Não vejo, à esquerda, quem se disponha a dar-lhe a mão, não só porque, em termos ideológicos, isso significaria que alguém iria negar os seus princípios ideológicos (ou Sócrates, ou a esquerda), e porque dar a mão a um homem como Sócrates, significaria, inevitavelmente, sujá-la.

Estará na direita, naturalmente, a salvação do homem da licenciatura fantasma, do Freeport, das falsas declarações sobre as suas verdadeiras habilitações literárias, das trapalhadas da Cova da Beira, do Magalhães encomendado a rapaziada amiga lá do seu partido (por acaso, a contas com o Fisco), das pressões sobre a justiça e a comunicação social e de todo um rol de trafulhices e mentiras que a história, um dia, julgará.

Mas é preciso ter em atenção que a política, em vez de ser uma arte nobre de servir um povo e um país, é um campo armadilhado. É sempre o poder que está em causa, e nunca os interesses nacionais. Cada manga esconde uma faca, cada sorriso um veneno. Sócrates, como sabemos, está cheio de podres. Não serão as questões políticas que presidirão às negociações que se seguirão, mas os esqueletos que os armários partidários tentam esconder a todo o custo. E, lá por trás, está o verdadeiro poder – o poder económico – a puxar os cordelinhos.

Resumindo: deixarão Sócrates entregue à sua sorte, ou haverá alguém disposto – ou abrigado – a sujar as mãos nas dele?

Entretanto, o país continuará a apodrecer. Coisa que, como vimos, pareceu não incomodar nada mais de três milhões e setecentos mil eleitores.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/09/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

9 comentários:

Anónimo disse...

Boa leitura da realidade. Mas não se esqueça que esta mesma realidade se transporta para o quadro das eleições autárquicas. O país está infectado. E aqui no concelho do Seixal começa a ser difícil encontrar um candidato que mereça o voto dos eleitores. Nivelam todos por baixo e o remédio parece ser escolher o menos mau. Depois de Eufrázio não há um comunista a sério que consiga levantar outra vez o concelho e fazer-se ouvir e respeitar pela população?

O Puma disse...

Para os desiludidos dos partidos políticos sejam empregados ou trabalhadores

a abstenção é sempre indiferença

o voto em branco é protesto

Anónimo disse...

Pois é, mas a abstenção ou o voto branco não conta para nada a não ser para vitórias morais.
Quanto ao comentário das 11:28 concordo plenamente; depois do Eufrázio, tudo isto é triste, tudo isto é fado.
E é uma pena. O Seixal merecia que o legado político deixado pelo Eufrázio tivesse alguém à sua altura que pudesse ter dado continuidade ao trabalho por ele desenvolvido.

Monte Cristo disse...

Curioso. São todos contra a abstenção (as cúpulas dos partidos ou os democratas moralistas e quimicamente puros), mas todos sabemos que pensam, mas não dizem, que «bem, se não vais votar em nós, então, se calhar, é melhor nem pores lá os pés...».

Não é?

Por outro lado: se há eleitores indiferentes e desmobilizados, ou que não se reconhecem em nenhuma força política, de quem é a culpa? Deles, ou de quem não é capaz de os «acordar» e/ou corresponder às suas expectativas?

Repito: respeito mais a abstenção consciente (por indiferença ou desprezo) do que o voto acéfalo e alienado das vítimas nos seus algozes. Por exemplo: dos desempregados e precários, nos partidos que pariram o Código do Trabalho.

Anónimo disse...

A conversa começa a ser interessante. Já não era sem tempo. Monte Cristo tem razão. Há muita hipocrisia no apelo ao voto, que não é um apelo ao voto sincero, mas um apelo ao «vota em nós». Sobre o Seixal só posso dizer que já passou o tempo do concelho dos cravos, quando a população e a autarquia eram uma coisa só. E nós, trabalhadores da Câmara, tinhamos orgulho e alegria no que faziamos, chegando muitas vezes a trabalhar sem querer receber qualquer compensação, apenas por amor à camisola. Isso morreu com a saída do presidente Eufrázio e a chegada deste, que já devia ter sido substituido pela CDU logo ao fim do primeiro mandato. Só deu cabo daquilo que Eufrázio Filipe fez.

Um trabalhador da autarquia cheio de saudades.

Anónimo disse...

Então se esta democracia assenta nos partidos políticos;
Se a maioria que vota milita num partido;
Se estes votam cegamente como se de um clube se tratasse;
Então,
Para diminuir a abstenção e os votos brancos os partidos têm que crescer no número de militantes.
Mas,
Para crescerem, precisam de dar alguma coisa.
Ou dão doutrina ideológica ou dão “tachos”

Como se diz lá na minha terra: tal vai a moenga, compadre!

Monte Cristo disse...

O mal não está na democracia assentar nos partidos. O mal está no facto de os partidos serem «centros de emprego».

O mal está no facto de nos partidos só se pensar no assalto ao poder e nos benefícios pessoais dos «partidários» daí resultantes, servindo apenas o dito «interesse nacional» para justificar tudo o que se faz.

É o Zé todo lixado, até os Zés que ficam muito contentinhos quando o partido deles (que eles pensam que é o deles) ganha as eleições.

Abreviando: se os partidos são «centros de emprego», a Democracia, essa, transformou-se na maior e melhor empregadora da país. E na mais eficaz Caixa Nacional de Pensões.

E se algum político me vier dizer que nada disto é com ele, faça o favor de pôr o dedo no ar.

Se for o Jerónimo, até acredito.

Pravda74 disse...

Por momentos pensei que este texto era meu! Foi quase como se estivesse - como há alguns dias - a reflectir pensamentos junto de amigos.
Uma gota no oceano esta análise objectiva. Os que, como diz o seu blog «pensam por si próprios», passam rapidamente a serem apelidados de teóricos da conspiração.
Boa! Vou passar a vir aqui mais vezes.

Anónimo disse...

Conclusão. Afinal o Gorbatchov fez escola. Pelo menos no Seixal a coisa está entregues a perestroikos. E não se vê obra, a não ser o elefante branco dos novos paços do concelho, que no futuro alguém pagará. Alguém? Nós! E assim se hipoteca ainda mais esse mesmo futuro. Mas quando se faz um passeio, já se diz que se está a resolver um problema urbanístico. Aqui os cravos murcham, mas nos muitos e variados gabinetes vicejam os boys e as girls agarrados a jobs bem pagos, engordando à conta do orçamento. Os papa-almoços e jantares. Mas o pessoal da ferrugem e da poeira vai minguando. Adjudica-se o mais possível, quase tudo, a firmas privadas. Gestão comunista? Isto? Haja decoro.

Um trabalhador da autarquia.