quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O PAÍS SENTADO

Há dias, enviaram-me um vídeo que, resumidamente, dizia que Portugal havia sido construído com o sangue e o suor dos fundadores da nossa nacionalidade, e dos que, ao longo dos séculos, haviam lutado para que o nosso país se mantivesse livre e independente. E – era esta a mensagem – que nos competia deixarmos de ser gente passiva e fazer respeitar essa herança. Utilizava-se mesmo a expressão: «levanta o cu do cadeirão». A ilustrar a ideia, umas imagens de combates medievais, sugerindo as lutas travadas na construção da nacionalidade e na preservação da nossa independência.

Enfim, um vídeo que poderia ter várias leituras, segundo a óptica de quem o visse. Poderia ser um vídeo de inspiração monárquica, poderia ser um vídeo de inspiração meramente nacionalista/corporativa (o Estado Novo, aliás, sempre teve uma costela azulada), poderia ser uma mensagem puramente idealista a tender para o ingénuo, poderia – sei lá – ser uma maneira peregrina de nos chamar à luta pelos nossos direitos.

Para mim, porém, teve uma leitura muito simples. Ao reenviá-lo, para os meus contactos, fi-lo acompanhar de um pequeno texto, que serve agora de base à crónica desta semana, e que passo já a ler-vos:

Nascemos aqui, para o bem e para o mal. Infelizmente, depois de 48 anos de ditadura, pouco tempo tivemos para escolher o nosso caminho, visando construir uma sociedade justa, responsável e digna, na qual os direitos e obrigações de todos, perante essa mesma sociedade, fossem comuns. Uma sociedade sem fome, sem exclusões, solidária e livre. Onde fosse obrigação prioritária do Estado garantir que todos tivessem acesso à saúde, à educação, ao trabalho, a uma remuneração digna – porque suficiente para as necessidades básicas, tanto no campo material, como espiritual – e, por fim, a segurança na velhice. Onde o Trabalho fosse um direito inalienável, mas, simultaneamente, uma obrigação de todos em idade e condição activa, ou seja, desde que aptos e saudáveis.

Infelizmente, os «democratas» que têm dirigido o país, de Mário Soares para cá, colocaram Portugal nas mãos da economia do regateio – mais conhecida por economia de mercado – da bolsa de valores, do salve-se quem puder – e salvam-se sempre os que detêm o poder económico, quero dizer, os meios de produção mais o capital financeiro. Portugal em breve viu morrer o sonho de ser o país de todos os portugueses, voltando rapidamente a ser, como o fora antes do 25 de Abril, o país de alguns portugueses. Poucos.

Com Mário Soares, e a partir dele, tudo – ou quase tudo – se privatizou, ficando o país entregue à gula dos que fazem da obtenção do lucro máximo o seu modo de vida. Os recursos nacionais passaram a ser recursos privados, e a riqueza, que poderia ser distribuída por todos, é acumulada, apenas, por uns quantos. Ainda hoje se quer privatizar o pouco que resta nas mãos do Estado, incluindo a privatização de um bem que mais público não podia ser, como o é a água. Um dia quererão privatizar o ar, não sendo de espantar que seja criada uma taxa qualquer sobre o ar que respiramos. Já faltou mais…

Um grupo restrito de portugueses, composto pelos velhos detentores do poder económico e seus herdeiros naturais, onde se agregou um clube de novos-ricos, constituído por uns bastardos insaciáveis, nascidos da promiscuidade das relações com o novel poder político parido em 25 de Novembro de 1975, detém as rédeas da economia. É suportada esta gente por uma classe política atenta e veneradora, cuja principal missão é manter esta «ordem natural das coisas», o que significa, segundo a perspectiva beata e salazarista da vida, o capitalista capitalizando, o trabalhador trabalhando e o governo zelando para que o capitalista capitalize e o trabalhador produza o mais que puder ao menor custo possível.

Para garantir que tudo continue assim, estão estabelecidas regras que garantem aos políticos uma justa recompensa pelo seu zelo e dedicação, quer através de poderem estabelecer para si próprios privilégios que negam, ou retiram, à maioria da população – especialmente ao nível das remunerações e reformas – quer através de nomeações para altos cargos nas empresas privadas, seja nas que sempre o foram, seja nas que tiveram a «visão estratégica» de privatizar. A Bem da Nação, como sempre.

Por outro lado, muitos democratas inicialmente mais ou menos sérios, deixaram-se seduzir pelos cadeirões do poder, pelo conforto dos estofos e dinheiro fácil, pelos almoços grátis, pelo saco sem fundo das despesas de representação, pelo futuro – o seu futuro – garantido à custo do exercício do poder, seja ele o Poder Central ou o Poder Local. A corrupção alastrou entre a classe dirigente, e é hoje a moeda de troca utilizada em todos os negócios. A democracia, na versão capitalista em curso, baseia-se, aliás, nas fraquezas humanas e na tendência que o ser humano tem para se deixar corromper. E bem sabemos como o poder corrompe e destrói com facilidade os valores morais de quem para tal já tem o temperamento adequado.

Resultado: o país, formalmente, é uma democracia, mas mantém os mesmos esquemas e vícios perversos da ditadura económica e social que caracterizou o fascismo, agravados ainda pela fúria revanchista do poder económico, de que é exemplo inequívoco o actual Código do Trabalho «socialista». E com a grande desvantagem, nos dias que correm, de se ter perdido o espírito de resistência e unidade que a repressão fascista acabava por criar.

Enredados nesta teia, confundidos e divididos pelos partidos, os portugueses perderam – se é que as actuais gerações alguma vez a tiveram – a noção de cidadania, e entregaram-se literalmente nas mãos dos políticos, quer por acção directa (através do exercício do voto – cerca de 60%) quer por omissão (nem sequer votando – cerca de 40%).

Neste contexto, o poder político e o poder económico – como duas faces da mesma moeda – estão nas suas sete quintas. Exploram um povo abúlico e encurralado na sua inexistente cultura crítica, incapaz de pensar como ser social e livre, de tal maneira que muitos portugueses acham, ainda na visão salazarenta das relações sociais, que «manda quem pode, obedece quem deve». Fora disto, é pecado. Tal como é pecado não aceitar como bom tudo o que fizer o partido em que se votou.

Tal como as crianças se satisfazem com um brinquedo, os portugueses satisfazem-se com um telemóvel, um cadeirão onde vêem futebol e telenovelas estúpidas, um carrito para as curvas, mesmo que não se possa utilizar durante o mês inteiro, e pouco mais. Os mais novos, sem perspectiva de futuro, vivem de trabalhos precários e a pouca segurança que têm resultam de ainda viverem em casa dos pais – ou de a ela regressarem se a coisa se complica.

A assim estamos.

Felizmente, não tenho o vício do cadeirão. Continuo a bater-me, dentro das minhas limitações, por um Portugal livre, solidário e justo, denunciando um sistema que produz políticos oportunistas, corruptos, parasitas, incompetentes e usurpadores dos nossos direitos, liberdades e património, que a tanto se resume a democracia desta gente que, a vários níveis, nos governa.

Esta não é, de forma alguma, a democracia que eu imaginei quando, em 25 de Abril de 1974, pensei que nunca mais, em Portugal, iria ver uma criança com fome, um homem desempregado ou um velho a morrer de carências e solidão. Confesso a minha ingenuidade na altura. Mas posso, nos dias de hoje, chamar canalhas e embusteiros aos que dizem que essa sociedade é utópica, e que haver ricos e pobres é uma fatalidade sem remédio.

Ser assim – ou não – só depende de nós. A nossa sociedade será o que nós quisermos. Porque somos mais de 9 milhões. E eles, o que têm essa perspectiva feudal da vida (a dos ricos e pobres), não passam de uma minúscula minoria. Com as costas quentes, mas minoria.

Então, como é? Ficamos no cadeirão, ou vamos correr com a choldra?

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 07/10/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

5 comentários:

Anónimo disse...

A imagem ilustra bem a resignação de um povo que se deixa definhar sem sequer exercer o seu poder de revolta através do voto e por isso temos Sócrates de novo.
Não sei até se o título "O PAÍS SENTADO" não deveria ser antes o "PAÍS SENTIDO" de magoado ou então o "PAÍS SEM SENTIDO" de rumo.

Anónimo disse...

Já vimos que pelo voto não vamos lá. Eles instalaram-se e tomaram conta de tudo. No governo ou nas câmaras é tudo deles. Leram todos pela mesma cartilha, por isso exercem o poder da mesma maneira, mesmo que sejam de cores diferentes. Ums roubam mais, outros roubam melhor, uns amanham-se à ganância, outros pela surra. São os novos vampiros. Vejam o tipo da Intersindical a lamber o os pulhas do PS, sem querer saber que foi o PS que aprovou as piores medidas contra os trabalhadores.Por isso acho que o país sentado está bem. País sem sentido, só se for para nós, porque para os políticos, para os banqueiros, para os boys e girls dos diferentes partidos, a coisa faz sentido. Já viram a lista da CDU à câmara? Vejam lá um boy, que já foi autarca, que se governou à ganância nesse tempo e que tem agora um belo tacho na câmara como assessor. O rapaz reformou-se, coitado, porque trabalho é bom pró preto. E ele é bem branquinho. Não são todos iguais? São lá agora. Por isso eu não voto em ningiuém.

Um trabalhador da autarquia cheio de saudades.

Anónimo disse...

Subscrevo por completo.

Cravo de Abril

Anónimo disse...

Ai se o Gouveia abre o bico. E se o arquitecto se zanga. E se...

ASSOCIAÇÃO JOSÉ MARTI disse...

Brevemente será criada no Seixal a Associação Portuguesa José Marti.
Os interessados em colaborar na sua fundação podem aceder ao blogue para mais informações e eventual inscrição.