O Libération (jornal diário francês liberal de esquerda) não saiu em Portugal na quinta-feira, 18 Março, devido a «problemas de impressão». Foi isto o que constou. Contudo, se dermos uma vista de olhos pelo seu conteúdo, ficamos a saber que «problemas de impressão» terão sido esses. De facto, ao lermos a edição francesa do Libération deparamos com este sugestivo título: José Sócrates, o português atolado. E o artigo abre assim: «Nada corre bem ao primeiro-ministro socialista, cujo nome é associado a casos de corrupção, tendo por fundo uma enorme crise económica».
E vale a pena transcrever a parte inicial do texto:
«A inimizade de uma boa parte da comunicação social, uma crise política que se encaminha para o impasse institucional, uma situação social explosiva, um fiasco económico que obriga a medidas drásticas a breve prazo. Como se isto não bastasse, o destemperado José Sócrates (reeleito sem entusiasmo nas legislativas de Setembro de 2009), vai agora enfrentar um inquérito parlamentar que pode levá-lo à demissão ou forçar a sua família socialista a encontra-lhe um sucessor à frente do governo.
Começam hoje, em Lisboa, os trabalhos de uma comissão de inquérito parlamentar que, pela primeira vez depois do fim da ditadura de Salazar, implicam directamente um primeiro-ministro. E vai constrangê-lo a responder pessoalmente ou, na melhor das hipóteses, por escrito. “Portugal é um barco à deriva, do qual o capitão é o mais suspeito de toda a tripulação”, escreveu um jornalista do canal privado SIC.
Segundo os economistas, de todos os países com a corda na garganta, Portugal é certamente o elo mais fraco. Mais ainda que a Grécia, o pequeno país ibérico sofre de males estruturais, de exportações anedóticas, de uma dívida externa recorde e de um défice público de 9,3%. Bruxelas espera de Lisboa medidas concretas para respeitar o “plano de austeridade” com o qual José Sócrates se comprometeu… Mas Sócrates está fragilizado pelos seus problemas político/judiciários».
Depois, vem a descrição dos casos que já sabemos, especialmente de tudo o que se prende com o processo Face Oculta, e que já não vale a pena aqui reproduzir. Aliás, se traduzimos parte do artigo, da autoria do jornalista François Musseau, é apenas para que se perceba que os alegados «problemas de impressão» não foram mais que uma forma disfarçada de censura. Uma habilidade à boa maneira dos velhos tempos do senhor António. Não se trata, é claro, de fascismo puro e duro, mas que uns certos laivos dessa coisa já por aí se notam, não tenho a menor dúvida. E que veste de cor-de-rosa, com certeza. Absoluta.
Dado que tinha pensado dedicar esta crónica de hoje à questão da Liberdade, até porque se aproxima mais um aniversário do 25 de Abril, os «problemas de impressão» do Libération não podiam vir mais a propósito.
E começo pelo princípio. O que é a Liberdade? Dizem os dicionários que «é a faculdade de uma pessoa se determinar por si própria sem ser coagida na sua decisão», salvaguardando, no entanto, que ela não pode significar o prejuízo dos direitos dos outros. Isto é: a Liberdade não é fazer tudo o que nos apetece ou agrada, mas sim o que é necessário para, sob o ponto de vista da justiça e da moral, vivermos com dignidade e respeito numa sociedade que preze a vida humana em toda a sua plenitude.
Liberdade é a ausência de submissão ou servidão, é a autonomia de um ser racional. Não é um conceito abstracto, muito menos é algo que exista separadamente da própria condição humana. O querer ser livre é a força motriz que nos impele a agir, seja na busca elementar do sustento, seja na busca última da felicidade e da satisfação.
Não é livre, por isso, um homem a quem a sociedade retira ou restringe o direito ao trabalho, à habitação, à saúde e à educação. Não são livres os homens que vivem numa sociedade estruturada de maneira a que a riqueza por todos produzida seja distribuída de maneira desigual pelos seus membros, principalmente se forem aqueles que efectivamente a produzem (os assalariados dos sectores agrícola, das pescas, da indústria extractiva e de transformação, os trabalhadores dos serviços, enfim, todos os que vendem a sua força de trabalho, sem a qual nada se produziria) os que menos recebem – quando recebem.
Não é livre um homem que se vê atirado para uma situação de carência extrema, a pretexto de uma conjuntura económica desfavorável, se sempre cumpriu os seus deveres para com a sociedade e não pode ser responsabilizado pelos problemas económicos existentes.
Não é livre nem justa uma sociedade onde o poder político e o poder económico reservam para si o direito de impor sacrifícios aos restantes cidadãos, a pretexto de uma crise de que são, exclusivamente, os únicos autores.
É, por isso mesmo, uma perigosa ilusão pensar-se que vivemos em liberdade. Para mais de setecentos mil portugueses, não existe a liberdade de trabalhar e sustentar as suas famílias. Para centenas de milhares de portugueses não existe a liberdade de poder, sequer, constituir família e construir o seu futuro em plena autonomia. Para milhares de doentes não existe a liberdade de comprar o medicamente necessário ou ser sujeito, em tempo útil, à operação indispensável.
Enquanto isto, os políticos e os detentores dos principais meios de produção, os senhores da alta finança e respectivos séquitos banqueteiam-se sem o mínimo de pudor ou contenção, e apresentam a factura – desta vez chamada PEC – aos pagantes do costume.
Quase 36 anos depois do 25 de Abril, o acesso ao Trabalho e a uma remuneração digna, o acesso à Educação e à Cultura, o acesso à Justiça, o acesso à Saúde e, em suma, o direito a uma vida digna e feliz estão fora dos horizontes da maioria dos portugueses. Não chamo a isto Liberdade.
E quando se manobra para impedir que as vítimas desta democracia falsificada tenham acesso à informação – como o caso do Libération inequivocamente atesta – é porque, 36 anos depois da queda da ditadura, muitos dos seus tiques ainda por aí andam à solta.
Pois é: dos sovacos do Armani solta-se um pestilento cheiro a bafio.
E vale a pena transcrever a parte inicial do texto:
«A inimizade de uma boa parte da comunicação social, uma crise política que se encaminha para o impasse institucional, uma situação social explosiva, um fiasco económico que obriga a medidas drásticas a breve prazo. Como se isto não bastasse, o destemperado José Sócrates (reeleito sem entusiasmo nas legislativas de Setembro de 2009), vai agora enfrentar um inquérito parlamentar que pode levá-lo à demissão ou forçar a sua família socialista a encontra-lhe um sucessor à frente do governo.
Começam hoje, em Lisboa, os trabalhos de uma comissão de inquérito parlamentar que, pela primeira vez depois do fim da ditadura de Salazar, implicam directamente um primeiro-ministro. E vai constrangê-lo a responder pessoalmente ou, na melhor das hipóteses, por escrito. “Portugal é um barco à deriva, do qual o capitão é o mais suspeito de toda a tripulação”, escreveu um jornalista do canal privado SIC.
Segundo os economistas, de todos os países com a corda na garganta, Portugal é certamente o elo mais fraco. Mais ainda que a Grécia, o pequeno país ibérico sofre de males estruturais, de exportações anedóticas, de uma dívida externa recorde e de um défice público de 9,3%. Bruxelas espera de Lisboa medidas concretas para respeitar o “plano de austeridade” com o qual José Sócrates se comprometeu… Mas Sócrates está fragilizado pelos seus problemas político/judiciários».
Depois, vem a descrição dos casos que já sabemos, especialmente de tudo o que se prende com o processo Face Oculta, e que já não vale a pena aqui reproduzir. Aliás, se traduzimos parte do artigo, da autoria do jornalista François Musseau, é apenas para que se perceba que os alegados «problemas de impressão» não foram mais que uma forma disfarçada de censura. Uma habilidade à boa maneira dos velhos tempos do senhor António. Não se trata, é claro, de fascismo puro e duro, mas que uns certos laivos dessa coisa já por aí se notam, não tenho a menor dúvida. E que veste de cor-de-rosa, com certeza. Absoluta.
Dado que tinha pensado dedicar esta crónica de hoje à questão da Liberdade, até porque se aproxima mais um aniversário do 25 de Abril, os «problemas de impressão» do Libération não podiam vir mais a propósito.
E começo pelo princípio. O que é a Liberdade? Dizem os dicionários que «é a faculdade de uma pessoa se determinar por si própria sem ser coagida na sua decisão», salvaguardando, no entanto, que ela não pode significar o prejuízo dos direitos dos outros. Isto é: a Liberdade não é fazer tudo o que nos apetece ou agrada, mas sim o que é necessário para, sob o ponto de vista da justiça e da moral, vivermos com dignidade e respeito numa sociedade que preze a vida humana em toda a sua plenitude.
Liberdade é a ausência de submissão ou servidão, é a autonomia de um ser racional. Não é um conceito abstracto, muito menos é algo que exista separadamente da própria condição humana. O querer ser livre é a força motriz que nos impele a agir, seja na busca elementar do sustento, seja na busca última da felicidade e da satisfação.
Não é livre, por isso, um homem a quem a sociedade retira ou restringe o direito ao trabalho, à habitação, à saúde e à educação. Não são livres os homens que vivem numa sociedade estruturada de maneira a que a riqueza por todos produzida seja distribuída de maneira desigual pelos seus membros, principalmente se forem aqueles que efectivamente a produzem (os assalariados dos sectores agrícola, das pescas, da indústria extractiva e de transformação, os trabalhadores dos serviços, enfim, todos os que vendem a sua força de trabalho, sem a qual nada se produziria) os que menos recebem – quando recebem.
Não é livre um homem que se vê atirado para uma situação de carência extrema, a pretexto de uma conjuntura económica desfavorável, se sempre cumpriu os seus deveres para com a sociedade e não pode ser responsabilizado pelos problemas económicos existentes.
Não é livre nem justa uma sociedade onde o poder político e o poder económico reservam para si o direito de impor sacrifícios aos restantes cidadãos, a pretexto de uma crise de que são, exclusivamente, os únicos autores.
É, por isso mesmo, uma perigosa ilusão pensar-se que vivemos em liberdade. Para mais de setecentos mil portugueses, não existe a liberdade de trabalhar e sustentar as suas famílias. Para centenas de milhares de portugueses não existe a liberdade de poder, sequer, constituir família e construir o seu futuro em plena autonomia. Para milhares de doentes não existe a liberdade de comprar o medicamente necessário ou ser sujeito, em tempo útil, à operação indispensável.
Enquanto isto, os políticos e os detentores dos principais meios de produção, os senhores da alta finança e respectivos séquitos banqueteiam-se sem o mínimo de pudor ou contenção, e apresentam a factura – desta vez chamada PEC – aos pagantes do costume.
Quase 36 anos depois do 25 de Abril, o acesso ao Trabalho e a uma remuneração digna, o acesso à Educação e à Cultura, o acesso à Justiça, o acesso à Saúde e, em suma, o direito a uma vida digna e feliz estão fora dos horizontes da maioria dos portugueses. Não chamo a isto Liberdade.
E quando se manobra para impedir que as vítimas desta democracia falsificada tenham acesso à informação – como o caso do Libération inequivocamente atesta – é porque, 36 anos depois da queda da ditadura, muitos dos seus tiques ainda por aí andam à solta.
Pois é: dos sovacos do Armani solta-se um pestilento cheiro a bafio.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 31/03/2010.
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