Se os baixos salários, os impostos altos, o trabalho
precário e a economia controlada por interesses privados fossem a solução para
a crise, a crise nunca teria chegado a Portugal. Mais: Portugal seria o país
mais desenvolvido e próspero da Europa.
Se fosse na inovação tecnológica que estivesse o
futuro – e a salvação – de Portugal, e estando o país atascado em telemóveis,
computadores (sem esquecer os Magalhães), IPODs, IPADs, internet
e cliques a torto-e-a-direito, certamente que teria aumentado a produção de
carne, cereais, fruta, legumes, aço, leite, sapatos, camisolas, componentes
electrónicos, agulhas e alfinetes. E o peixe pescado por nós seria a nossa principal
fonte de proteínas. Um enter e nasce a bezerra; dois cliques
e cresce o trigo; um copy and paste e
apanha-se um cardume.
E seria sempre a aviar.
Se aumentar os impostos correspondesse a arrecadar
mais receita fiscal, o Estado estaria rico. Ora, se o Estado, depois de ter
aumentado brutalmente os impostos, está a arrecadar menos 5,8% em relação ao
que se verificava há um ano, é porque alguém chamado Vítor não percebe nada
disto. Ou finge que não percebe.
Se os bancos, que são os principais responsáveis
pela dívida externa portuguesa – e não o Estado, como gostam de fazer crer –,
já que se financiaram no estrangeiro para, por sua vez, financiarem a compra de
casa própria pelos portugueses, se alambazaram ao avaliar as casas e a aplicar
os seus vorazes spreads, que resolvam, então, a bolha imobiliária
que está a rebentar-lhe nas mãos. Para não sermos todos nós, outra vez, a
cobrir os riscos do negócio bancário. Que é privado, como sabemos. Ou privados
serão, apenas, os lucros?
Se, após cinco anos numa empresa, um trabalhador
português apenas recebe 34% (cerca de um terço) do que um alemão recebe quando
perde o emprego, e 46,9% (menos de metade) do que recebe um espanhol, está
mesmo a ver-se que só quando a indemnização for zero é que Portugal passará a ser
um país desenvolvido e próspero. Calma, que está quase.
Posto isto, recordemos Miguel Torga. Há cinquenta e um
anos, afirmou:
É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja
o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa
disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma
sociedade pacífica de revoltados.
Se isto foi dito há mais de 50 anos, em plena
ditadura (a tal longa noite fascista, que durou 48 anos), e serve que nem luva
nos dias que correm, será que vivemos, há 38 anos, uma longa noite…
democrática? E que ainda seremos capazes de aguentar mais dez?
Se não fôssemos tão mansos, o que é que gostaríamos
de ser?
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/05/2012.
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