segunda-feira, 4 de junho de 2012

ANEDOTAS E TRAGÉDIAS


Uma anedota: os reformados por invalidez que ainda não tenham atingido o limite de idade para a reforma, podem ser sujeitos a nova junta médica para se avaliar se a incapacidade que determinou a atribuição da pensão ainda se mantém. Excelente ideia! Permita-me o governo que indique já alguns nomes de reformados que me parecem aptos a deixarem de ser pensionistas, dado que aparentam excelentes condições de saúde: Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República; Marques Mendes; Campos e Cunha; Santana Lopes. Chega, como amostra? É que a lista é enorme.

Uma tragédia: é uma vergonha nacional – e das grandes – que humilhará qualquer cidadão com dois dedos de testa e uns pozinhos de decência: segundo um relatório da Unicef, Portugal é o quinto país europeu que pior trata as suas crianças. Milhares delas – diz o relatório – vivem em condições precárias e passam fome. Não ouvi o governo tugir ou mugir a propósito disto. Este facto, que deveria ser a primeira das grandes preocupações do governo, foi rapidamente abafado. Não há uma palavra, uma medida, uma lágrima, mesmo que fosse de crocodilo.

Uma anedota: o coiso disse que é preciso ultrapassar o coiso. O coiso é aquele coiso que acha que está nos pastéis de nata a salvação da pátria e coisa e tal. O coiso que é preciso ultrapassar é o coiso… ai, como é que é? Isso! O desemprego. Faz-se assim: o coiso vai atrás do coiso, faz sinal sonoro com a coisa (a buzina), do tipo popó, popó, ou pipi, pipi, acende o pisca para esquerda, olha para o retrovisor, não vem ninguém, guina o volante, acelera o coiso e prontos, já está. Ultrapassado o coiso, fica tudo coisado. Ou seja, acaba-se com o coiso. Cosa-se lá o coiso!
Uma tragédia: se as crianças portuguesas passam mal, os jovens não estão melhor. Cerca de meio milhão à procura de emprego, perdidos num país cujo governo se limita a sugerir-lhes que se vão daqui embora. E eles vão, aos milhares, tornando o país mais velho e sem esperança. Se o desemprego corrói a situação financeira da Segurança Social, os jovens que vão trabalhar para o estrangeiro contribuem, involuntariamente, para o agravar dessa situação. E o governo mudo e quedo, sem ideias, sem medidas. E sem vergonha.
Uma anedota: o Relvas gosta tanto de notícias chatas como o Sócrates. A imprensa livre é uma coisa linda, desde que não se meta connosco. A senhora jornalista quer moer-me o juízo, quer? Olhe que eu boicoto o seu jornal e publico na internet dados da sua vida privada. Mas como é que o Relvas sabe coisas da vida privada da jornalista? Que raio de ministro tão bem informado! Ah, espera aí. Ele não é o fulano a quem o superespião enviava mensagens e e-mails?
Uma tragédia: há alunos do ensino superior que já não conseguem alimentar-se decentemente. «Recordo-me de um caso que me deixou bastante chocado. Uma aluna pediu ajuda e dizia “por favor, ajudem-me, nem que seja com senhas de almoço, porque com tanta coisa para pagar, por vezes a alimentação não fica como uma prioridade”», contou à Renascença Paulo Figueira, presidente da associação académica de Évora.

Disse Dimitris Christoulas, o reformado grego que se suicidou à frente do parlamento do seu país:

«Eu acredito que a juventude sem futuro, brevemente se erguerá, empunhará armas e enforcará todos os traidores nacionais de cabeça para baixo, como os italianos fizeram a Mussolini, em 1945.»

E disse muito bem.


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/05/2012.

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