segunda-feira, 4 de junho de 2012

A CULPA É DO COISO


O desemprego está a provocar uma "incerteza considerável" sobre a execução da Segurança Social, explicou o ministro Gaspar. Em linguagem de gente, quis ele dizer que se amanhã não houver dinheiro para pagar pensões e outras prestações sociais, a culpa é só do coiso. De mais ninguém – e muito menos dele e das suas medidas de austeridade.

Como sabem, o coiso é o desemprego, isto no linguajar do ministro Álvaro, o dos pastéis. Ora, sendo assim, de quem será a culpa do desemprego? Ah! A culpa do desemprego é do arrefecimento da economia, explica o rapaz que faz as vezes de primeiro-ministro, que também descobriu que o coiso – o desemprego – é mesmo um mundo de grandes oportunidades.

Bom, já estamos a aprender qualquer coisa. Mas de quem é a culpa do arrefecimento da economia? – perguntam os chatos imbecis como eu. A culpa do arrefecimento da economia é da instabilidade política, associada a conjunturas económicas e financeiras desfavoráveis (ou vice-versa, tanto faz, já que uma e outra se revezam no papel de causas e consequências), o que faz os mercados retraírem-se face aos riscos decorrentes dessas mesmas conjunturas, explicam, por sua vez os senhores Camilos Lourenços, aduzindo que é necessário fazer alguns sacrifícios para as coisas se recomporem.

Estou a ver, sim senhor. Mas de quem é a culpa das conjunturas económicas e financeiras desfavoráveis, que derivam – ou que provocam – a instabilidade política (ou vice-versa, obviamente), da quais resulta o arrefecimento da economia, que vai dar no desemprego, que por sua vez provoca o estrangulamento da Segurança Social?

Boa pergunta, sim senhor, dizem os sábios destes assuntos. As conjunturas económicas e financeiras desfavoráveis – a que podemos, daqui para a frente, designar por Crise – resultam de vários factores, sendo o mais determinante, na actual situação, o endividamento excessivo, que desaguou na crise do subprime, nos activos tóxicos e nas chamadas bolhas, a começar pela do imobiliário. Fácil, não é?

Facílimo! Mas de quem é a culpa do endividamento excessivo, da crise do subprime e das tais bolhas? Bem, a culpa disso nasceu da necessidade de endividar as pessoas, para que elas possam comprar o que as fábricas produzem (no, fundo, o que elas, as pessoas, produzem) já que lhes tinham reduzido ao máximo o poder de compra, é, ao mesmo tempo, garantir que os bancos aumentem, através dos juros do crédito, os seus lucros. Ou seja: O endividamento é uma forma do capital financeiro pagar ordenados mais baixos e ainda ganhar dinheiro com os empréstimos que faz para compensar a perda de poder de compra. Mas não convém dizer isto muito alto, está a perceber?

Oh, se estou! Mas isso deu para o torto, não deu? Pois deu. A sangria foi tão grande que as pessoas deixaram de poder pagar os seus empréstimos, reduziram o consumo ao mínimo, as fábricas e as lojas fecharam, começou a engrossar o coiso (perdão: o desemprego), e a economia a arrefecer.

Mau! Está a dizer-me que a culpa do desemprego é do próprio desemprego?

Sim, é isso mesmo. A culpa é sempre do coiso. De mais ninguém.

Fácil, não é? De facto, só um grande imbecil é que não percebe uma coisa tão simples…



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/05/2012.

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