quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

AUTOFAGIA


Mais de 100 mil portugueses andam por aí, de porta em porta, a tentar vender tralha diversa. É, em desespero de causa – porque não arranjam outro trabalho – um meio de conseguirem dinheiro para a bucha ou satisfazer outras necessidades, como pagar os estudos, ajudar a família ou honrar, simplesmente, os seus compromissos mais prementes. Estima-se que uma população flutuante de outros 100 mil portugueses esteja espalhada por vários centros de contactos telefónicos (vulgo, call-centers), sejam de empresas dedicadas exclusivamente a essa função, sejam de empresas que criaram esses serviços de contactos com o público para promoção dos seus produtos.

No fundo, o objectivo desses contactos porta a porta, ou via telefónica, é tentar impingir aos indígenas cordas para se enforcarem, tais como cartões de crédito, financiamentos e seguros, ou, no melhor dos casos, algo tão dispensável como assinaturas de revistas, novos serviços de telecomunicações e audiovi
sual, enfim, uma panóplia de produtos que, não sendo de primeira necessidade, se destinam, apenas, a extorquir os últimos cêntimos que possam existir nos bolsos dos incautos, nem que seja através do endividamento. Melhor: preferencialmente através do endividamento.

Hoje em dia, com o país incapaz – ou proibido – de produzir mais riqueza, já que as pescas, a agricultura e a indústria estão condicionadas pela sua incapacidade competitiva – fruto de congénitas inépcias empresariais e desdém governamental – ou das limitações impostas por Bruxelas, e criminosa e servilmente aceites pelos governos nacionais, o emprego que aparece é para andar por aí a vender a banha da cobra da economia global.

Deste modo, uma multidão de portugueses, com contratos precários e pagos ao preço da uva mijona, esfarrapa-se a tocar a campainhas e a subir e a descer escadas, ou a contactar telefonicamente os seus semelhantes, tentando, desesperadamente, levá-los a aceitar aquilo que, se eles de facto precisassem, sabiam muito bem onde encontrar sem serem incomodados a qualquer hora do dia e, muitas vezes, da noite. E porque a manutenção desse emprego e um reforço da magra remuneração mensal dependem da sua capacidade de impingir o produto à vítima, obrigam-se a utilizar todos os meios – eufemisticamente designados por «técnicas de vendas» – para alcançar esse fim. «Criem-lhes a necessidade», ouvem frequentemente.

Muitos portugueses que, infelizmente, não deviam ter, sequer, um porta-moedas, são aliciados a adquirir um cartão de crédito, que vai tornar-se, a curto prazo, na sua desgraça. O medo do amanhã leva-os ainda, a adquirir seguros que nada – ou pouco – cobrem, mas que pagam com língua de palmo. Porque a televisão lhes é apresentada como uma janela para o mundo – para o conhecimento – aceitam comprar pacotes de canais, nada mais pagando, afinal, do que umas horas de anestesia, caso não sejam umas horas do mais puro embrutecimento. E por aí fora.

Em Londres, Paris, Nova Iorque ou Madrid, alguém acumula fortunas à conta desta engrenagem maldita, onde cerca de duzentos mil portugueses, para iludir a fome ou a indigência, são obrigados a um verdadeiros trabalho de extorsão sobre aqueles que, afinal, nada mais são que seus infelizes semelhantes. Portugal é, verdadeiramente, um país em autofagia acelerada.

«Devorai-vos uns aos outros», é a ordem destes banqueiros sem rosto e sem nome, que a última coisa que querem é que os portugueses produzam mais carne, mais leite, mais trigo, mais azeite ou mais aço. Mais pão, afinal.

Feliz da vida, o poder político garante que tudo está sob controlo. A autofagia em curso não incomoda suas excelências.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 29/12/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A SOPA (DEMOCRÁTICA) DOS POBRES


Quando eu era miúdo, muitos dos meus colegas iam para a escola descalços e, para além da sacola onde levavam os livros, levavam também uma panela numa alcofa para, mal tocasse a sineta, correrem para a fila da Sopa dos Pobres, que funcionava na rua de Campolide. Nessa altura, cidadão que falasse da fome que havia em Portugal, arriscava-se a bater com os ossos nas masmorras que a PIDE reservava para esses «oportunistas» políticos, na altura rotulados de perigosos subversivos anti-patriotas. Os jornais também não falavam da miséria existente, porque havia uma coisa chamada Censura. E desde muito cedo, o meu pai ensinou-me a ter cuidado com conversas sobre a situação política e, principalmente, a nunca revelar o que, a propósito dela, se dizia em nossa casa.

O fascismo não se traduz só por isto, mas estes factos – a fome e a opressão – estão gravados na minha memória como a marca de um sistema político desumano, opressor e caquéctico. Já homem maduro, vivi o 25 de Abril como um radioso despertar de um pesadelo vestido de negro e sujo de sangue. Um respirar de ar puro a plenos pulmões, depois de anos de asfixia numa cave infecta e putrefacta. Homem maduro, mas ingénuo quanto baste para ter julgado, na altura, que a fome, a desigualdade
e a opressão seriam coisas do passado. Que a Liberdade e a democracia nos garantiriam uma vida digna, livre da fome e das misérias – físicas e morais – que causticaram a maioria do povo português durante quase meio século. Que não seria assim, em breve Mário Soares se encarregou de nos explicar, mal se apanhou com as rédeas do país nas mãos. Daí para cá, não só se meteram na gaveta as ideias de justiça social, equidade e humanismo, como uma chusma de políticos, devassos e oportunistas, se encarregou de devolver o país à velha ordem social e económica que imperara até Abril de 1974.

De Mário Soares a Sócrates, o PS foi o diapasão dessa reentrega da vida e do futuro dos portugueses – do próprio país, afinal – nas mãos do grande capital financeiro, e a própria Liberdade passou a ser uma coisa sem sentido, pois nada mais resta que o voto induzido e condicionado pela manipulação ideológica – pela propaganda – e o «poder falar-se», mas desde que não sirva para mais que desabafar, ou seja, desde que não ponha em causa a natureza do sistema económico em que vivemos, assente na sangria das classes trabalhadores. Desde que não faça tremer a exploração da mão-de-obra que enriquece o capitalismo reinante – e cada vez mais selvagem.

Sócrates é o pináculo dessa chusma de políticos rascas e debochados que assaltaram o 25 de Abril, com o voto iludido de uma sociedade hipnotizada pelos malabaristas dos principais partidos que, tal como os toureiros aprenderam a conhecer as deficiências congénitas dos touros, também eles aprenderam a levar o povo no engano dos seus passes e volteios.

Por isso, a Sopa dos Pobres aí está, em todo o seu trágico esplendor. E, tal como Salazar queria que a fome e a pobreza não fossem destapadas, também Sócrates, seguindo a mesma cartilha, já fez o favor de avisar que não tolera que elas – a fome e a pobreza – sejam tema do debate político.

Entre o negro do fascismo e o cor-de-rosa destes falsos socialistas, se outras diferenças há, para além da cor, elas são – e tão só – de estilo.

A Sopa dos Pobres de Sócrates e do PS só é diferente da Sopa dos Pobres de Salazar, porque, por enquanto, ainda ninguém anda descalço. Mas é só por enquanto…



(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/12/2010.
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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

OS INIMPUTÁVEIS


Não sou eu que o digo. Ou melhor: não sou só eu que o digo. Portugal está de rastos. O país atravessa uma crise tremenda. Toda a gente o diz. Dizem-no, antes de mais, aqueles que não sentem a crise, a começar pela casta política, da esquerda à direita. Dizem-nos os banqueiros, os grandes empresários, os senhores de Bruxelas e os do FMI. Dizem-no, até, os padres e os bispos. E dizem-no – porque a sentem na pele, nos ossos, no estômago e nos bolsos – os desgraçados que trabalham, os ainda mais desgraçados que estão no desemprego, os pensionistas que auferem pensões infames, enfim, o populacho que sustenta as elites dirigentes e enche os vários alforges de aquém e além mar – ou seja, os off-shores. Dizem-no os pequenos e médios empresários, devorados por Belmiros, Amorins e outros magnatas. Portanto, se todos o dizem – e a grande maioria o sente – não há dúvida que o país está em adiantado estado de decomposição. Certo? Certíssimo!

Agora, vamos lá apurar responsáveis, já que nada acontece sem uma causa, um porquê. Serão os que recebem baixos salários, ou salários assim-assim? Os que recebem pensões miseráveis, ou quase? Os dois milhões de pobres? Os cerca de oitocentos mil desempregados? Enfim, os mais de 9 milhões de portugueses que vegetam ao sabor das venetas de quem manda? Sem medo de desmentido, venha ele do mais fino analista político, comentador diplomado, ideólogo doutorado do neo-liberalismo, ou qualquer economista com lugar cativo nos ecrãs televisivos, garanto que não. Se a cambada tem alguma culpa no cartório, ela resulta do simples facto de ter enfiado nas urnas os papelinhos errados.

Se não é a cambada que tem culpa – e não é – serão os senhores banqueiros e afins, já que são eles que têm nas mãos os cordelinhos da alta finança? Nem pensar! – respondem em coro. São eles que mantêm a economia de pé. Serão, então, os senhores que têm governado o país? Que blasfémia! Basta ouvi-los. Cada um governou melhor que o outro. De Mário Soares a Sócrates, passando por Cavaco, Guterres, Durão, Santana, Eanes, Sampaio, seja como governantes, seja como chefes supremos da nação – venerandos chefes de Estado, como se dizia em tempos que já lá vão – todos eles têm receitas infalíveis para retirar o país do atoleiro onde comprovadamente está. São virgens imaculadas, puríssimas.

Ouve-se falar Sócrates, e ninguém diria que está a governar o país há vários anos, quatro deles com maioria absoluta. Tudo o que fez foi bem feito. Ri-se, no seu estilo de truão compulsivo e sem vergonha na cara – já que nem tudo pode ser imputado a problemas de neurónios. Volta não volta, múmias ressuscitadas por uma televisão impiedosa, vêm opinar sobre a crise. Soares, Eanes, Sampaio, esgotados e repetitivos, parecem personagens absurdas de um filme de Antonioni. Nada de falar sobre o que fizeram – ou deixaram de fazer. Apenas sabem o que deve ser feito. São velhos sábios fora de prazo. Ridículos. Quase trágicos.

Não podendo imputar-se ao povo – porque não manda, não governa – as culpas pela situação que se vive, e recusando os actuais e antigos governantes qualquer responsabilidade na matéria (do poder económico nem é bom falar, porque são os mais inocentes nisto tudo, já que se limitam a fazer a sua obrigação de acumular lucros aos milhões), então, quem são os responsáveis pela desgraça a que chegámos?

Ninguém! Estamos no país dos inimputáveis!


(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/12/2010.
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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ATÉ UM DIA…


O «socialista» Carlos César, que manda nos Açores, determinou que os cortes nos ordenados dos trabalhadores da função pública não se aplicam lá no feudo. Sócrates, com o seu habitual descaramento, alega que não manda nada nos Açores. Ao mesmo tempo, o governo determinou que os altos quadros do Estado já podem, afinal, continuar a acumular os ordenados e as pensões pagas pelo próprio Estado. Exactamente o mesmo governo que decidiu os cortes nos salários dos políticos e da função pública, mas que inscreveu, no OGE, um aumento de 20% em despesas de representação, com as quais os senhores políticos e os altos quadros da FP se compensam dos cortes proclamados. E até ficam a ganhar. Os cortes nas despesas, por outro lado, também não se aplicam aos hospitais com gestão empresarial, nem às empresas do Estado.

Afinal, quem vai pagar a crise? Que pergunta parva! A ralé, como de costume. Os remediados, os esfomeados, os miseráveis. O batalhão de jovens, homens e mulheres que vegetam por aí com baixos salários e trabalhos precários. Os reformados e pensionistas. Mas a elite política e empresarial, bem como todo o seu séquito de boys e girls, vai continuar a rir-se e a encher a pança e os bolsos. E a exigir mais sacrifícios aos portugueses.

O senhor Fernando Ulrich, presidente do BPI, por exemplo, declarou que os despedimentos devem ser rápidos e fáceis, ou seja, sempre que o patrão quiser. As pessoas não são pessoas. São instrumentos da gestão. O senhor Barroso, lá de Bruxelas, bolçou que os despedimentos devem ser mais baratos. Nada de indemnizações, nada de subsídios de desemprego que delapidem os cofres públicos. Trabalhador trabalha se tiver trabalho, o tempo que o patrão quiser, recebe o que o patrão quiser… e é se quiser. Come, se puder comprar alimentos. Ou se, por caridade, alguém lhe der uma esmola. Direitos? O que é isso? O tempo não está para luxos.

Falando em luxos. O senhor Rui Pedro Soares, conhecido como o boy dos boys de Sócrates, foi afastado da «primeira linha» da administração da PT depois do escândalo da compra da TVI. A própria PT garantiu que o boy tinha sido afastado da administração e que não era director fosse do que fosse, mas apenas funcionário. Sabem quanto ganha este «funcionário»? «Apenas» dez mil euros por mês, mais secretária e carro às ordens. Ganham bem, os funcionários da PT!

Portugal é o maior na pobreza infantil? Ninharias! Há mais de dois milhões de pobres em Portugal, 500 mil dos quais até têm trabalho? Que se lixe! Portugal é um dos países mais assimétricos da Europa na distribuição de rendimentos, onde os 20% mais ricos ganham 6,1 vezes mais do que os 20% mais pobres? Porreiro, pá! Assim, o senhor Ulrich e o senhor Rui Pedro Soares estão na maior!

Enfim, linda democracia a nossa! O senhor presidente do BPI, Fernando Ulrich, pode perfeitamente à vontade – e com toda a cobertura televisiva – alvitrar que qualquer trabalhador português possa ser posto no olho da rua sem mas nem porquês. É democrático. Mas se eu alvitrar que o senhor Fernando Ulrich – bem como qualquer parasita da sua laia – deveria passar a receber o salário mínimo e posto a trabalhar a sério nas minas de Aljustrel, e que os lucros da banca deveriam reverter para o desenvolvimento do país, em vez de engordarem os chupistas e calaceiros que engordam, já serei um perigoso revolucionário. Ou – sei lá – um temível subversivo, a tender para o terrorista.

Até um dia…

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 08/12/2010.
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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

ELES

...
ELES pagam-nos apenas uma pequena parte daquilo que produzimos. Da riqueza que lhes metemos no bolso, devolvem-nos umas migalhas a que chamam salários. Nós produzimos tijolos, cimento, aço, folha-de-flandres, automóveis, casas, vestuário e calçado, telemóveis, jornais, pão, os pratos e os talheres onde comemos, os lençóis onde dormimos, as cadeiras onde nos sentamos, incluindo os cadeirões do parlamento e dos conselhos de administração. Produzimos os livros que lemos e os cadernos e livros onde as nossas crianças aprendem as primeiras letras e a juntar dois mais dois. Nós arriscamos a vida no alto mar, pescando, e no fundo das minas, extraindo o minério. Trabalhamos estoicamente para arrancar do chão os frutos, os legumes, os cereais e quase tudo o que comemos. Nós mal dormimos para que à vaca, ao porco e à galinha chegue sempre a ração a tempo e horas, do primeiro ao último dia do ano. Nós levamos a água e a electricidade a todo o lado, embora alguns de nós não saibam o que é acender a luz ou abrir a torneira. Construímos todas as estradas, mas não podemos circular em muitas delas se não tivermos dinheiro para pagar o luxo. Nós produzimos todos os electrodomésticos que existem, incluindo uma caixa chamada televisão, pela qual ELES nos dizem, 24 horas por dia, como devemos pensar, agir e ser.

Depois, nós pagamos tudo o que produzimos ao preço que ELES querem. E mais: há coisas que produzimos mas que não podemos comprar, porque só ELES, com os lucros que o nosso trabalho lhes deu, podem consumir. Nós pagámos, com os nossos impostos, a construção dos centros de saúde, dos hospitais, a formação de médicos e enfermeiros, e fomos nós que fabricámos todos os medicamentos que existem. Mas não temos médico sempre que precisamos, nem somos operados quando a operação se impõe, nem conseguimos comprar todos os medicamentos que precisamos, porque às vezes – muitas vezes – mal dá para a bucha. Nós construímos as escolas e pagámos a formação dos professores, mas temos, depois, que gastar o que não temos para que os nossos filhos estudem e possam aspirar a uma vida melhor. Pagamos os livros e os cadernos que fizemos, os lápis que produzimos e uma coisa chamada propinas, como se não tivéssemos já pago, com o nosso trabalho e com os nossos impostos, tudo isso.

E muitos de nós – incluindo os nossos filhos – passamos mal. Não bebemos o leite e carne que produzimos, nem o peixe que pescámos. Mas para que nada falte aos senhores que enriquecemos, ELES são tão bonzinhos que até nos emprestam dinheiro, ao juro que muito bem entendem, para que possamos compensar, deste modo, as carências que resultam de nos pagarem tão pouco.

Para que tudo isto funcione bem, para além da televisão, que nos diz que as coisas são mesmo assim – e se não forem assim, serão muito piores – existem os políticos, que criam as leis que tornam isto tudo legal. E, porque conseguem que votemos neles, é tudo democrático.

Acontece que nós, que produzimos tudo o que há, ganhamos cada vez menos, devemos cada vez mais e, natural – mas democraticamente – vivemos cada vez pior. Reformamo-nos – ao contrário deles – cada vez mais tarde e com pensões cada vez mais magras.

Mas graças a Deus e ao nosso suor, ELES e os nossos políticos podem comprar tudo aquilo que produzimos e têm dinheiro para se tratarem nas melhores clínicas, junto dos melhores médicos, e porem os filhos a estudar nas melhores escolas que há.

Democraticamente.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 01/12/2010.
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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O PAÍS DOS ABRANHOS


Eça de Queirós escreveu O Conde de Abranhos em Novembro de 1878. Trata-se de uma sátira ao tipo de político imbecil, torpe, oportunista e hipócrita que proliferava à época. Se Eça fosse vivo, teria na casta que hoje medra entre S. Bento, Belém e as administrações das empresas públicas e privadas – os novos Abranhos – uma fonte inesgotável de inspiração. No lugar do conde, que já não os há, teríamos O Engenheiro Abranhos. No mais, seria o mesmo retrato do arrivista sem inteligência e sem escrúpulos, que em vez do fraque, cartola e colarinhos engomados, traja Armani e gravata de seda.

132 anos depois, a maioria do povo português sujeita-se a esta gente medíocre, cretina e impiedosa, porque não passa da tal «raça abjecta» de que Oliveira Martins falava. Raça abjecta, sem dúvida, porque só um povo inferior é que se deixa governar por gente como Sócrates, Cavacos, Soares ou, conforme parece que vai ser, por um Coelho qualquer. Gente que, resignadamente, se deixa explorar sem um berro, um franzir de testa, um lampejo no olhar. Gente que se habituou a ser explorada, enxovalhada, espoliada e, curvando-se, ainda agradece a chibatada. Gente que, por isso, não merece mais do que tem.

Também há mais de um século, o rei D. Carlos afirmava que Portugal era «um país de bananas, governado por sacanas». Longe andava sua majestade de imaginar que tão judiciosa sentença estaria válida no ano de 2010, depois da monarquia ter sido esburacada ali para os lados do Terreiro do Paço, a República que se seguiu se ter esvaído em barafunda e bordoada de criar bicho, dando lugar ao Estado Novo, beato e inquisitório, e este a uma democracia que, ainda mal gatinhava, foi engavetada por um renegado bochechudo, venal e ambicioso. E que logo, à frente da sua quadrilha cor-de-rosa, devolveu o povo e a nação aos nababos do costume, com o aplauso dos democratas de vários quadrantes – os Abranhos de hoje – que, à vez, se amanham à custa da manada submissa, repartindo entre si o espólio que a governança lhes consente.

Como resultado, temos cerca de dez milhões de bananas entretidos a enviar mensagens por telemóvel, quando não estão embasbacados a ver telenovelas mentecaptas, casinhas dos segredos ainda mais imbecis, ou os golos de um fedelho obtuso e vaidoso, guinado a herói nacional, tanto pelos pontapés que dá na bola, como pelas rameiras de luxo que, à custa do dinheiro que tem, leva para a cama.

Voltemos a Eça, que pôs Alípio Severo – assim se chamava o tal Conde de Abranhos – a sentenciar: «Eu, que sou governo, fraco mas hábil, dou aparentemente a soberania ao povo. Mas como a falta de educação o mantém na imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito».

Eça sabia, há século e meio, o que milhões de portugueses, com ensino obrigatório, televisão, internet, telemóveis, Magalhães e universidades privadas – tipo pronto a diplomar –, não conseguem sequer sonhar.

Raça abjecta? Evidentemente! Com excepções, é claro. Mas se a regra não fosse a abjecção, não seríamos espezinhados, como somos, por esta bafienta e infame linhagem dos Abranhos.

(João Carlos Pereira)

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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ACABAR COM O RESTO

...
Há crianças que vão para a escola com o estômago vazio. Há autarquias que, ultrapassando as suas competências e dificuldades, passaram a fornecer refeições aos alunos do ensino básico, até nos dias em que as escolas estão fechadas. Há professores e funcionários das escolas que andam, literalmente, a mendigar géneros alimentícios para mitigar as necessidades dos alunos carenciados. Já a Caritas Portuguesa denunciou que passaram, no curto espaço de um ano, de 5.000 para 62.000 o número de pessoas que a contactam, solicitando auxílio alimentar. Todos os dias, mais vítimas da ditadura económica que estrangula o povo e o país se juntam à vergonhosa lista dos mais de dois milhões de pobres que já existiam em Portugal antes de famosa crise do capitalismo.

No entanto, o OGE que o PS e o PSD cozinharam, isenta de imposto os lucros dos accionistas que detenham mais de 10% do capital das empresas. Em números redondos, vão à vida, como se costuma dizer, mais de 818 milhões de euros em impostos. E ao mesmo tempo que se cortam 1.432 milhões de euros nos salários de 350 mil trabalhadores da Administração Central, e se congelam os salários dos restantes, orçamentam-se mais 440 milhões de euros para a contratação de trabalhadores com vínculo precário.

Se tudo isto já era escandaloso, a situação ultrapassa todos os limites quando se verifica que o OGE do PS e do PSD prevê mais de 30 milhões de euros para despesas de representação, o que constitui um aumento de 20% em relação ao OGE de 2010. Só a Presidência do Conselho de Ministros vai comer cerca de 1.500.000 euros. Quando se reduzem os salários aos trabalhadores da Função Pública, o governo aumenta, desta maneira, os vencimentos dos governantes e das chefias, com o fim óbvio de os compensar dos cortes nos vencimentos. Que bela moral, a destes extraordinários ilusionistas!

Mas há mais! Enquanto rouba 1.432 milhões de euros nos salários da Administração Pública, o governo orçamenta para 2011, com o silêncio do PSD, praticamente o mesmo valor (1.317 milhões de euros) para a aquisição de serviços a privados, tais como estudos, pareceres, projectos e consultadoria, assistência técnica, trabalhos especializados e publicidade. Só em publicidade, o aumento, em relação a 2010, é de 32,9%. Tendo em atenção que muitos destes serviços poderiam ser executados por trabalhadores da função pública com competências para o efeito, sem dúvida que a finalidade é entregar a certas empresas privadas, com ligações íntimas ao Largo do Rato, como é hábito, belos e chorudos negócios.

Entretanto, mais 336 trabalhadores da empresa Groundforce, ligada à TAP, vão dar com os ossos no desemprego. Porquê? Simples: é que foi criada uma empresa concorrente, chamada Portway, ligada à ANA – Aeroportos e Navegação Aérea, que beneficia de melhores condições de exploração e, por isso, cobra taxas mais baixas às companhias aéreas. Porque é que foi criada uma empresa ligado ao Estado, através da ANA, para destruir outra empresa ligada ao Estado, através da TAP?

Quando soubermos quem são os administradores da Portway – e as suas ligações partidárias – teremos, certamente, a resposta a esta intrigante pergunta.

Entrementes, fala-se de um governo de salvação nacional, com PS, PSD e uma adjacência chamada CDS/PP.

Deixem-me rir. Com os mesmos? Só se for para acabar com o resto!


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/11/2010.
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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O BANDO COR-DE-ROSA

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Passo Coelho sugeriu – não sei se a sério, se para indígena ouvir – que os políticos fossem responsabilizados, civil e criminalmente, pelas decisões que tomam e que se revelem lesivas para a economia do país. Estou de acordo. Quem não está, claro, é o Partido Socialista. São muitas – e grandes – as suas culpas no cartório. O PS é o principal responsável – embora não seja o único – pela situação trágica de milhões de portugueses, pelo descalabro financeiro, social e moral do país. Muita gente ficou na miséria em virtude das suas criminosas políticas, que mais não visavam que reconstituir os grandes grupos económicos desaparecidos com o 25 de Abril, à custa dos bolsos – do estômago e da saúde – dos portugueses. Morreu gente em consequência, directa ou indirecta, dessas políticas, que não aconteceram por ignorância ou descuido, mas por consciente opção ideológica. De classe.

Se os dias que correm têm alguma virtude, é permitir que assistamos, às claras e sem margem para dúvidas, ao saque desbragado dos salários e pensões, enquanto se deixam incólumes os lucros fabulosos dos grandes accionistas de empresas que, devido ao que facturam aos portugueses, atingem verbas astronómicas. Para o PS – e, convenhamos, para o PSD e para o CDS/PP – os lucros dos grandes accionistas são legítimos e sagrados, por isso são intocáveis, mas os salários e as pensões nada terão de legítimos, sagrados e, consequentemente, de intocáveis. Não estamos, neste caso concreto, perante uma chapada imbecilidade – embora pareça. Estamos, isso sim, perante uma consciente e claríssima decisão política, (opção ideológica não confessada aos portugueses aquando das campanhas eleitorais) tomada em favor dos muito ricos e, naturalmente, à custa dos pobres e remediados.

Não tenho dúvidas. Esta gente deve ser responsabilizada pelos resultados das suas opções, pelo sofrimento que provocam em milhões de portugueses, pelas consequências que a miséria produz a todos os níveis – a criminalidade e a violência são, apenas, duas delas – pelas mortes que de tudo isto resultam. Não nos podemos esquecer que, em Portugal, se morre por falta de assistência médica e medicamentosa, por desnutrição, e que o abandono e a desesperança levam muitos ao suicídio. O desmoronamento da coesão social desfaz, literalmente, o país. Aos jovens resta a casa dos pais e trabalhos de ocasião, temporários e mal pagos. Constituir família deixou de ser um objectivo. Ter filhos, é uma miragem perigosa. Portugal já não é um beco sem saída. É, para quem não pode emigrar, um autêntico gueto.

Suponho que Passos Coelho não falou a sério, não fosse acontecer ir à lã e sair tosquiado. Mas, mesmo assim, o PS deixou claro o seu pânico perante tal hipótese. O medo de ser responsabilizado pelos seus crimes – e são muitos – tira o sono ao bando cor-de-rosa.

Para mim, já seria bom que os portugueses se lembrassem que o PS é o partido dos Abílios Curtos, dos Melancias, das Fátimas Felgueiras e dos Monterrosos. É o partido dos Varas, Pedrosos, Rittos, Ricardos Rodrigues e Sócrates. E dos Soares, claro. É o partido da UNI, do Aeroporto de Macau, do Freeport, da Face Oculta e do Magalhães. É o partido das Fundações e dos boys e das girls às paletes. Assemelha-se – caso não seja – a um bando de malfeitores.

Mas é este PS, que obrigou a magistratura e os funcionários públicos a sujeitarem-se ao peso da responsabilidade civil, levando-os ao pagamento de enormes indemnizações em casos de queixas que os responsabilizem, que diz que só aceita pagar os seus crimes com votos.

Pudera! Eles sabem que o que disse Guerra Junqueiro, há 114 anos, continua válido: Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas.

Com um povo assim, a malandragem canta de galo.



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/11/2010.
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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ALELUIA!

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O país respirou de alívio. Depois de negociações verdadeiramente dramáticas, o OGE vai passar. Muito obrigado, PS, Obrigadíssimo, PSD. Com este OGE, Portugal vai salvar-se da bancarrota, reconquistar o prestígio internacional e abrir o caminho a um futuro finalmente radioso. Ou, pelo menos, tranquilo e estável. A crise foi vencida. Aleluia!

Não houve retrato de família, com Sócrates e Passos Coelho ao centro – ou a dançar o tango – mas houve, mais singelamente, uma linda foto de Eduardo Catroga e Teixeira dos Santos, recolhida pelo telemóvel do antigo ministro das finanças, onde se fixa para o posteridade o momento histórico, quiçá o mais relevante da história contemporânea, logo a seguir ao segundo lugar da selecção nacional no Euro 2004. Comovente. Eu próprio, que sou um verdadeiro pedregulho, chorei que nem uma Madalena.

Apenas me ficou uma dúvida. Se toda a gente detinha – dos governantes actuais aos governantes passados, como é o caso do mesmo senhor Catroga – as receitas para salvar o país e transformá-lo, pelo menos, numa coisa menos fétida, porque se deixou chegar o doente ao estado a que chegou? Desconfio que nenhum destes sábios salvadores da pátria sabe a resposta. Ou, se a sabe – o que é mais certo – prefere guardar um prudente silêncio.

Falemos, então, do futuro que nos espera com o novo OGE – e desculpem qualquer coisinha, mas não sou catedrático em finanças, como os senhores Catroga e Teixeira dos Santos:

Em primeiro lugar, o défice vai ser reduzido porque os portugueses que trabalham – e ganham cerca de metade do que ganham os trabalhadores da Zona Euro – vão ganhar ainda menos.

Em segundo lugar, porque os gestores portugueses, que ganham mais 32% do que os americanos, mais 22,5% do que os franceses, mais 55 % do que os finlandeses e mais 56,5% do que os suecos, vão continuar assim.

Em terceiro lugar, porque o desemprego vai aumentar, a fome também, as dívidas vão acumular-se, o crédito malparado vai disparar, as falências upa, upa, a economia definhará, a violência e a insegurança escalarão para níveis insuportáveis em consequência da miséria galopante, e todos os indicadores económicos e sociais cairão a pique. Tudo coisas menores.

Em quarto lugar, porque muitos idosos e pessoas com graves problemas de saúde serão dispensadas de viver mais tempo do que aquele que lhes estava destinado, o que significará uma poupança significativa para os cofres do Estado. E, em termos estatísticos, uma acentuada melhoria no que respeita à saúde dos portugueses e ao progressivo envelhecimento da população. Menos doentes, menos velhos – e sem recorrer a câmaras de gás.

Em quinto lugar, porque os jovens abandonarão mais cedo os seus estudos, transformando-se em mão-de-obra barata e acessível para todos os tipos de trabalho e para os horários que, a bem da economia, lhes forem impostos.

Parabéns, PS. Parabéns, PSD. Um país roto e faminto, mas grato pela vossa competência, agradece o esforço. E até acha que não merecia tanto.

Chocalham de riso os ossos de Salazar. Mas isso só os mais velhos ouvem.
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(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 03/11/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

BANQUEIROS

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Se as pessoas deixarem de pagar aos bancos o que lhes devem, os bancos irão à falência. Mas se ninguém precisar de pedir dinheiro aos bancos, de igual modo todos os bancos faliriam. Assim, o interesse dos bancos é tanto serem reembolsados dos empréstimos que fazem, acrescido dos respectivos juros, como nunca serem confrontados com a independência económica da população e das empresas.

No entanto, viver sem dívidas é a ambição de qualquer pessoa, de qualquer família, de qualquer empresa. Ter rendimentos para viver com dignidade – o que significa, no mínimo, suportar as despesas de alimentação, saúde, educação, habitação e as inerentes ao seu desenvolvimento cultural – é um desígnio de cada cidadão, o qual, para além de estar contemplado na Constituição da República Portuguesa, está inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas tal, naturalmente, contraria os interesses dos banqueiros. Eles precisam que se recorra ao crédito, porque é daí que advém a constituição dos seus enormes lucros. Porque assim querem, a satisfação dos nossos direitos humanos só pode ser conseguida através do endividamento, e nunca de salários suficientes. Justos.

Chegados aqui, já percebemos que, para eles, os banqueiros, o fundamental é que as famílias e as empresas nunca tenham tanto que possam viver sem o recurso ao crédito, nem tão pouco que não possam pagar os seus empréstimos. No fundo, são eles que determinam, através do poder político – que ou é da sua confiança, ou não pode ser poder – o que podemos, nós, os cidadãos comuns e as pequenas e médias empresas, ganhar. É disto que se fala quando se fala em Capital Financeiro, Poder Económico ou, mais simplesmente, Capitalismo. São os banqueiros que, de facto, comandam as nossas vidas.

O que se passa com as pessoas e as empresas, passa-se com os países. Mas enquanto, a nível da banca nacional, nós ainda sabemos o nome dos bancos e dos seus principais accionistas e administradores, a nível planetário a coisa fia mais fino. Quem são os homens que emprestam dinheiro aos estados? Como conseguiram a sua enorme riqueza e, consequentemente, o seu enorme poder? Como podem dispor de capitais tão astronómicos sem que se lhes conheça qualquer actividade produtiva que minimamente o justifique? Fala-se que esta agiotagem tem por detrás diamantes, petróleo, armas, droga, mas tudo está envolto numa enorme e quase fantasmagórica penumbra. Como se chamam? Quais os seus rostos? Onde moram? Onde passam férias? Têm filhos? Netos? Posso não saber responder a estas perguntas, mas sei que a última coisa que eles desejam é que Portugal deixe de contrair dívidas. É das nossas dívidas que eles se alimentam. É através delas que o seu dinheiro se lava e se reproduz.

Por cá, os nossos políticos, que são lacaios fiéis dos banqueiros, limitam-se a obedecer-lhes sem contestação. Em paga, têm o futuro garantido. A maioria está confortavelmente instalada na vida, enriquecida à custa da actividade política, facto que nem os tachos em administrações de empresas públicas ou privadas chega para justificar. Sem exercerem profissão digna desse nome, auferem vários vencimentos, várias reformas, e são senhores de muito património e enormes contas bancárias, muitas delas em offshores. Quanto destes pecúlios resultaram de luvas, percentagens e comissões? As tais caixinhas de robalos, como dizia o outro?

Seria bom sabermos o nome desta cáfila toda. Para já, sabemos que são os Miguéis de Vasconcelos do nosso tempo.

Reles traidores.
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(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/10/2010.
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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ENCOSTÁ-LOS À PAREDE

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O ministro da Cultura sueco foi visitar um filho que estuda nos Estados Unidos e, durante a visita, pagou uma pequena despesa com o cartão de crédito que tem para gastos oficiais. Quando o facto foi detectado, o ministro foi demitido.

A Takargo, uma empresa transportadora do Grupo Mota-Engil, onde pontifica o socialista Jorge Coelho, beneficia, desde a sua fundação, há mais de um ano, da isenção do imposto sobre produtos petrolíferos, o que lesa o Estado em cerca de 200 mil euros por ano. É a única empresa transportadora privada a beneficiar desta isenção. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

O senhor André Figueiredo, chefe de gabinete do senhor Sócrates, ofereceu ao senhor deputado socialista, Victor Baptista, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos, à escolha do felizardo: CP, Refer ou Metro. O vencimento seria de 15.000 euros mensais. O deputado recusou a oferta que, segundo ele, visava retirá-lo da corrida à presidência da Federação do PS, em Coimbra, em favor de um benjamim de Sócrates. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

A senhora dona Mara Mesquita Carvalho Fava, irmã de Sofia Fava (ex-mulher de José Sócrates), foi admitida nos quadros da EPAL – outra empresa pública – como trabalhadora precária. Na empresa, ninguém sabia o que a senhora fazia. Apenas que era vista por lá. De repente, ei-la promovida a assessora da administração, com um salário mensal bruto de 2.103 euros, acrescido de 21,5% do ordenado, por isenção de horário de trabalho. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

O senhor Carlos Filipe Oliveira, de 61 anos, saiu do Governo, onde era assessor do então ministro do Ambiente, Nunes Correia, e ingressou na mesma EPAL. Ninguém sabe o que está ali a fazer. O que se sabe é que aufere um salário altíssimo e que raramente lá põe os pés. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

O senhor Paulo Campos, que era assessor do Secretário de Estado das Obras Públicas (ministério que tutela a gestão das auto-estradas nacionais), deixou o cargo para ser administrador executivo da empresa que gere o sistema de pagamentos nas auto-estradas. Isto é: saiu do governo que decidiu impor portagens nas SCUTs, para gerir uma empresa que fornece os equipamentos electrónicos que foram instalados nessas portagens, e os respectivos chips. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

Porque as coisas são assim – e assim se desbaratam os dinheiros públicos – os portugueses sérios, que trabalham no duro para receberem os mais baixos salários que se pagam na Europa, vão receber ainda menos no fim de cada mês, a juntar ao aumento brutal de impostos. Os reformados, que recebem as mais baixas pensões da Europa, irão ver essas pensões ainda mais reduzidas.

Em consequência, mais miséria, mais fome, mais privações, mais desemprego, mais falências, mais insegurança, menos saúde, menos vida, pior vida.

E ninguém se demite. E ninguém é preso. Nem encostado à parede.

Mas é preciso encostá-los.


(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/10/2010.
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

OS NOSSOS F….. DA P…

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Andam por aí mais escutas do Apito Dourado. Ouvi aquilo e quase vomitava. Por tudo o que ali se diz mas, principalmente, porque a Justiça – ou o que disso tem o nome – agiu como se, além de cega, fosse surda, muda e paraplégica. Ou atrasada mental. Melhor: pensasse que os atrasados mentais somos nós. Vimos e ouvimos os vídeos do caso Freeport, ou lemos as transcrições das escutas do processo Face Oculta, e sentimos exactamente a mesma coisa: que há certos figurões a quem a Justiça – ou o que por ela se faz passar – não toca. E que até se enlameia – e se renega – para proteger.

Por isso, sempre que oiço ou vejo Pinto da Costa, lembro-me de Sócrates. E sempre que oiço ou vejo Sócrates, lembro-me de Pinto da Costa. Reflexos condicionados, como diria Pavlov. Ou mera associação de ideias. Dirão alguns – os velhacos ou os imbecis – que a Justiça não pôde agir pois havia uma vírgula que não estava aqui, um rabisco que faltou acolá. Direi eu que a Justiça tem, se quiser, força e meios para, em nome da verdade, da decência, do bem comum e de todos os outros valores que é sua atribuição proteger, ultrapassar eventuais erros de forma e não permitir que eles se transformem em alçapões por onde se escapam os infractores.

A um portista e fã de Sócrates, com quem discutia estas coisas, perguntei, por estas ou outras palavras, o seguinte: «Ouviste ou leste as transcrições das escutas, viste vídeos e soubeste de provas testemunhais, tanto nos processos Apito Dourado, como nos que envolvem Sócrates. Porque te creio um homem honesto – e parvo não és – diz-me uma coisa: acreditas, sinceramente, na inocência destes gajos?». Ele riu-se, olhou demoradamente para mim, e respondeu: «Não, João. Não acredito».

Apeteceu-me dar-lhe um abraço, mas contive-me. Eu sabia que, no fundo, ele continuava a admirar Pinto da Costa e Sócrates, sobrepondo os seus afectos aos valores morais que devem guiar a vida dos homens de bem. Não abraço gente desta.

Infelizmente, o país está cheio disto. Lembro-me, a propósito, da resposta de um político norte-americano – Henry Kissinger, salvo erro – a quem lhe perguntou porque eram os Estados Unidos aliados de Noriega. Ele respondeu: «O tipo é, realmente, um filho da puta, mas é o nosso filho da puta». Que um politico norte-americano pense assim, não me espanta, já que os interesses dos EUA não se dão bem com qualquer tipo de valores morais. A humanidade, para os norte-americanos, é um vasto tabuleiro de xadrez, onde fazem e desfazem as regras a qualquer momento. E ou vencem, ou o tabuleiro vai pelos ares. Mas fidelizar-se um cidadão a quem não prima por ser alguém de conduta intocável e edificante – bem pelo contrário – nomeadamente se a sua adoração se estriba em fervores clubistas ou partidários, aí já estamos perante um puro caso de indigência mental, se não estivermos diante de um promissor aprendiz de trapaceiro.

É este, hoje em dia, o mal de Portugal. Grande parte do povo português não tem sentido crítico, nivela por baixo os padrões morais, seduz-se por aparências sem cuidar dos conteúdos, deslumbra-se com os discursos, em vez de estar atento às práticas. E, especialmente, entrega-se aos partidos, e por eles se deixa crucificar sem o menor sentido de cidadania, como se o seu partido fosse uma divindade a quem deve adorar, em vez de um instrumento ao serviço dos seus direitos e legítimos interesses.

O resultado está à vista.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/10/2010.
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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PALAVRAS DO SENHOR


Em 24 de Novembro de 2009, o chefe do bando que, a soldo do grande capital e da sacrossanta economia de mercado, governa o país há mais de cinco anos, dizia: «A principal preocupação da política económica do Governo é a recuperação económica e o emprego. Nesse sentido, não é compaginável com esses dois objectivos um aumento de impostos».

E a 2 de Fevereiro de 2010: «Vamos fazer uma consolidação orçamental baseada na redução da despesa e não através de aumento de impostos, porque isso seria negativo para a economia portuguesa».

Em 8 de Março de 2010, era assim: «O Governo vai concentrar-se na redução da despesa do Estado, tarefa que é provavelmente a mais difícil e exigente. Mais fácil seria aumentar impostos, mas isso prejudicaria a nossa economia».

No dia 30 de Abril de 2010, a criatura garante que não há aumento de IVA: «O que vamos fazer – diz – é o que está no PEC. A senhora deputada vê lá o aumento do IVA? Não vê». Palavras do Senhor – ou seja, do primeiro-ministro – no debate quinzenal no Parlamento, perante a insistência da deputada do Partido Ecologista Os Verdes, Heloísa Apolónia. E acrescenta: «Estamos confiantes e seremos fiéis ao nosso programa. São essas medidas que importam tomar».

Em 12 de Maio de 2010, ouvem-se as trombetas triunfais: «Portugal registou o maior crescimento económico da Europa no primeiro trimestre deste ano. Portugal foi o primeiro país a sair da condição de recessão técnica e o que melhor resistiu à crise». Palavras do Senhor. Hoje e sempre.

A 16 de Junho de 2010, José Sócrates rejeita, em Bruxelas, o cenário de redução de salários na função pública, afirmando acreditar que as medidas já adoptadas pelo Governo são suficientes para atingir os objectivos orçamentais em 2010 e 2011.

Em 24 de Agosto de 2010, garante, numa acção de propaganda, em Vale de Cambra: «Entre Janeiro e Junho, a nossa economia cresceu 1,4%, face às estimativas de 0,7% para o ano inteiro. Nestes seis meses, o crescimento da economia que se verificou em Portugal foi o dobro do previsto pelo Governo no início do ano».

Eram estas, até há poucos dias, as palavras do Senhor. Mas de um Senhor sem palavra, sem moral e sem pingo de vergonha. Do político mais incompetente e trapaceiro que alguma vez, desde que me lembro – e a História recente nos conta – teve nas mãos os destinos dos portugueses.

O país desfazia-se, vítima, em parte, do neo-liberalismo reinante e da crise congénita do capitalismo, mas, acima de tudo, desfazia-se às mãos do Partido Socialista e do homem que o domina e coloca o seu ego e as suas fantasias em confronto permanente com a realidade. Levado na vertigem que a detenção do poder lhe provoca, vogando já ao sabor de um delírio que roça a pura insanidade, Sócrates encurralou-se entre as suas opções ideológicas, retintamente neoliberais, e os resultados inevitáveis e devastadores dessas opções na economia e, por arrasto, nas contas públicas.

Ao fim de vários meses de desvairada alucinação, ele aí está, confrontado com uma realidade que, no entanto, continua a recusar ser obra sua – como se os governantes tivessem sido outros, e não ele e a respectiva seita. Ignorantes, maldosos, profetas da desgraça, irresponsáveis, velhos do Restelo, gente sem ideias, foram mimos, entre outros, com os quais rotulou quem não lia pela sua tresloucada cartilha. Forçado, finalmente, a reconhecer a enormidade do buraco para onde atirou Portugal e os portugueses – e cuja dimensão, criminosa e estupidamente quis esconder até ao fim – nada mais lhe resta que pôr em prática as receitas do catecismo neoliberal e apresentar, como sempre, a factura à arraia-miúda.

Não confessa – como homem de direita que realmente é – que as crises resultam de acumulação da riqueza produzida nas mãos de poderosos grupos financeiros, que assim controlam os povos e as nações, como estamos a senti-lo, agora mesmo. Não lhe entra no bestunto que elas, as crises, se possam resolver com outras medidas que não seja agravar sempre – e cada vez mais – a vida da população trabalhadora, dos reformados, dos desempregados e dos marginalizados por uma sociedade desequilibrada e desumana. Por isso, apesar de garantir, meses a fio, que o aumento de impostos e a redução dos salários estava fora do horizonte, por serem negativos para a economia e os portugueses, ei-lo a aplicar, como remédio, o veneno fatal que antes recusava.

Irónica e tragicamente, a vida vai dar razão – mas por outros motivos – ao que disse nos últimos tempos. Nenhuma destas medidas vai salvar o país. O desemprego vai aumentar, a fome alastrará, a economia definhará ainda mais, as falências vão multiplicar-se, a instabilidade e os conflitos sociais suceder-se-ão e a insegurança será o pão nosso de cada dia. Vem aí, em suma, mais um ciclo de recessão e pobreza, em vez da salvação do país. Dos nossos bolsos sairão os últimos cêntimos, direitinhos para os cofres da alta finança.

Culpados? O sistema capitalista, que é da exaustão dos povos que vive e prospera. E José Sócrates e o PS, pois se o capitalismo é péssimo, muito pior se torna quando interpretado por gente de tão baixo nível moral e intelectual. Por gente medíocre e desprezível. Por tartufos.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/10/2010.
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

OS DOIS GAROTOS


Olho para Sócrates e Passos Coelho, e sinto uma náusea profunda. É a isto – a estes dois fedelhos – que estamos entregues? São estes dois palradores encartados, meros chupistas de uma democracia viciada, que vão decidir o nosso futuro? São estes dois funâmbulos da política que vão determinar a minha vida – a vida de todos nós? São estes dois produtos do sistema capitalista, sistema devasso e em permanente estertor – e que só sobrevive à custa do nosso sangue, do nosso suor e das nossas lágrimas – que têm as receitas para devolver aos portugueses o que lhes andam a roubar há anos? São os dois partidos a que pertencem – e que há décadas estão, em alternância, no poder – que podem agora, sozinhos ou de braço dado, salvar a Pátria que, pelo que se vê, têm vindo a destruir? Não me façam rir!

Olho para Sócrates e pergunto em que país este fulano podia ser primeiro-ministro ou, sequer, presidente da mais insignificante junta de freguesia? Concluo que em nenhum país digno desse nome, salvo nesta espécie de roça, ou favela, onde os brandos costumes dos indígenas, a par da sua proverbial falta de exigência e de coluna vertebral, tudo admitem. Só aqui pode governar um pinoca aperaltado, que trepou na vida política à conta do parlapié e de habilidades várias, engenheiro feito à pressa, sempre aos pontapés na verdade e na decência, um político que representa o que a política pode ter de mais sórdido e de perverso. Depois de quatro anos de maioria absoluta, e um ano depois de voltar a ganhar as eleições, o que Sócrates tem para oferecer aos portugueses é um país com a maior dívida pública de sempre, o maior endividamento externo de sempre, taxas de juro sufocantes, a maior carga fiscal de sempre, o maior desemprego de sempre.

Olho para Passos Coelho e começo a vê-lo como um Sócrates a quem falta a tarimba, seguidor dos mesmos credos neoliberais, talvez menos disposto à aldrabice rasteira do seu émulo, mas também todo ele discurso e prosápia. Mas – diga-se a verdade – com um diploma de habilitações académicas sobre o qual não recaem quaisquer suspeitas. Um diploma a sério. Verdadeiro.

Olho para estes dois garotos e vejo um deles – Sócrates – à espera que o outro lhe dê a mão que precisa para poder sangrar melhor a vítima do costume. Para ter alguém com quem repartir as culpas. E vejo o outro – Passos Coelho – danadinho por que seja Sócrates a dar o golpe, mas não querendo ser tido nem achado na matança que aí vem.

Como pano de fundo, a crise; o desequilíbrio das contas públicas; a insolvência; a bancarrota; o FMI. Enfim, os papões do costume. Segundo eles, tudo se vai resolver com o próximo orçamento. O PS quer aumentar ainda mais os impostos. O PSD diz que não é preciso: que se corte apenas na despesa. Nenhum deles, no entanto, põe o dedo na ferida. Se o país está tão mal, quem o pôs assim? Não foram as políticas que, há muitos anos, o PS, o PSD e o prestimoso CDS/PP levaram a efeito – ora agora governo eu, ora agora governas tu – e não se cansam de apregoar como as melhores do mundo e as únicas possíveis? É, então, com as mesmas políticas – e com as mesmas receitas para resolver as eternas crises – que a coisa agora vai lá?

Nenhum deles diz, porque as respectivas seitas vivem disso mesmo, que o aparelho do estado está cheio de parasitas – de chulos, como lhes chamam os mais soltos de língua – de clientelas partidárias, a sorver milhões através dos institutos para isto e para aquilo, das fundações para os mais inacreditáveis objectivos, ou para objectivos que, no âmbito dos ministérios, se resolveriam ao nível de direcção-geral ou secretaria de estado, o que até seria uma excelente ideia, já que apregoam que há funcionários públicos a mais. É através deste nauseabundo esquema de compadrio e concessão de mordomias que o Bloco Central (PS, PSD e, em menos quantidade, o CDS/PP) dão tacho aos seus rapazes e raparigas, já para não falarmos na chusma de assessores, adjuntos, secretários, motoristas e quejandos, que pululam em tudo o que é entidade pública, consumindo o que falta para investir na Saúde, no Ensino ou na Segurança Social. Congelam-se os salários de quem trabalha, ameaça-se saquear o subsídio de Natal, corta-se nos subsídios sociais de quem mais precisa, aumenta-se o preço dos medicamentos, não respeitando, sequer, aos idosos e carenciados, mas abrem-se os cofres públicos para sustentar milhares de calaceiros, cujo único mérito é terem o cartão partidário apropriado.

Fala-se, então, em aumentar os impostos e cortar nas prestações sociais. E em congelar – ou baixar – os salários. Mas não se fala em acabar com a imoralidade que é, à sombra dos partidos, enxamear o Estado com organismos que apenas servem para dar tacho a um enorme bando de inúteis. E menos se fala em produzir mais cereais, mais carne, mais leite, em incrementar as pescas, em desenvolver a actividade industrial, nomeadamente as indústrias extractiva, siderúrgica e metalomecânica. Mas aí já sabemos porquê: Bruxelas – a nossa querida Europa – não deixa.

É por isso que olho para Sócrates e Passos Coelho e sinto nojo. Nojo e vergonha por pertencer a um povo que se deixa filar por gente deste calibre. São dois garotos, é certo. Mas são dois garotos perigosos.

Muito perigosos.




(João Carlos Pereira)


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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

CHEIRA-ME A ESTURRO


Cheira-me a esturro. O troço do TGV, entre o Poceirão e Lisboa, que era viável no início do ano, deixou agora de o ser. A fazer fé na caterva socialista, isso deve-se à «significativa e progressiva degradação da conjuntura económica e financeira» de Portugal. Mas a significativa e progressiva degradação da conjuntura económica e financeira do país já era coisa sabida no início do ano. Não havia ninguém que o não dissesse – com excepção do governo socialista, liderado por um alegado engenheiro, que teimava em garantir que o quadro não era como o pintavam. E se já era espantoso o facto de o primeiro-ministro não saber aquilo que todo o país sabia, espanto maior é o mesmo governo garantir que, daqui a seis meses, o concurso agora anulado, devido à tal significativa e progressiva degradação da conjuntura económica e financeira de Portugal, vai ser reaberto. Isto é: daqui a uns mesitos, devido a qualquer poção mágica digna das histórias de Asterix, a conjuntura económica e financeira já não estará degradada. O que, naturalmente, significa que as medidas de austeridade que estão previstas para o Orçamento Geral do Estado, já não serão necessárias. Aliás, como desnecessária é a sangria feita pelo PEC, pois a crise, pelos vistos, como a chuva de Verão, vai ser coisa de pouca dura. Passageira. Face a isto, Passos Coelho já não tem dama pela qual se possa bater. Mesmo que seja para português ver.

Outra coisa que me faz pensar que aqui há gato, é que para o outro troço do TGV, entre o Poceirão e Caia, não há degradação da conjuntura económica e financeira. Esse avança. Não! Aqui há qualquer coisa que não bate certo. Diz-se por aí que o problema é outro. Que o problema tem o nome de Mota-Engil, empresa que ficou em segundo lugar no concurso agora anulado, atrás dum consórcio liderado pelos espanhóis da FCC, cuja proposta era 500 milhões de euros mais baixa que a da empresa onde pontifica, como presidente-executivo, o sublime socialista Jorge Coelho.

Aqui chegados, é bom recordar que Jorge Coelho foi ministro do Equipamento Social, tendo sido seu secretário de Estado das Obras Públicas um senhor chamado Luís Parreirão, que é, por desgraçado acaso, um dos actuais administradores da Mota-Engil, onde já estava quando Coelho entrou. Claro que nada disto reflecte qualquer promiscuidade entre o poder económico e o poder político, são mundos totalmente à parte, são coisas que acontecem por insondáveis desígnios do destino, nada mais que meras – e infelizes – coincidências. Mas que os cérebros maldosos e as línguas afiadas logo aproveitam para remoer as suspeitas do costume…

Para mim, que não ando cá há dois dias, esta manobra visa dois objectivos: O primeiro, é mesmo dar à Mota-Engil uma segunda oportunidade. Os camaradas, como os amigos, são para as ocasiões. O segundo, é assustar os indígenas. Estão ver como a coisa está realmente preta? Até o TGV, que é uma das meninas dos olhos do senhor engenheiro, está a sofrer com a crise! É porque isto está mesmo mau. Daí, que lá temos que ir aos bolsos da rapaziada. Com muita pena, mas não há outro remédio. Ou isso, ou o caos, a bancarrota, o dilúvio, o próprio inferno.

E a rapaziada, que acredita em tudo o que lhe dizem – e que ainda não percebeu que a crise é obra dos donos do dinheiro, com a conivência activa dos políticos – encolhe os ombros e dá a carteira aos assaltantes.

Sem um pio.



(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/09/2010.
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Jornal Comércio do Seixal e Sesimbra.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

RETRATO DE UM PAÍS PUTREFACTO


Mais de 600 mil desempregados, segundo os números oficiais, sempre simpáticos e generosos. Mais de 23 mil trabalhadores com salários em atraso. Mais de 2 milhões de pobres, o que equivale a 20% da população portuguesa. Um milhão e meio de trabalhadores precários, sendo que 100 mil deles trabalham para o Estado. Ordenados baixíssimos, atirando o salário médio português para pouco mais dos 750 euros. Ordenado mínimo ridículo e impróprio de um país civilizado. Falências em série. Prestações sociais miseráveis e sob constante ofensiva. E um pequeno número de gente muito rica. Cada vez mais rica.

Campos ao abandono e, consequentemente, uma agricultura raquítica e incapaz de responder minimamente às necessidades do país. Mas muito propícios aos fogos. A pesca reduzida à sua expressão mais simples, por força da sujeição aos interesses estrangeiros. Uma pecuária estrangulada por iguais razões – e por falta de políticas que estimulem a produção. Por isso, se importa a maior parte de tudo o que comemos. A produção siderúrgica entregue às conveniências estratégicas dos grandes produtores internacionais. Uma actividade industrial sem capacidade para ser inovadora e competitiva, baseada em baixos salários e orientada apenas para o enriquecimento rápido de uma classe empresarial desprovida da ideia do que seja o interesse nacional. Ou de uma coisa chamada decência.

Um sector financeiro que se dá ao luxo de arrecadar, só de lucros, muitos milhões de euros por dia. Não, não é engano: lucros de milhões de euros diários. Só os quatro maiores bancos portugueses (BES, BCP, BPI e Santander Totta), no primeiro semestre de 2010, lucraram, por cada período de 24 horas, 4,7 milhões de euros. E que beneficia, ainda por cima, de uma política fiscal que lhe permite pagar menos de IRC que todas as outras empresas.

A Justiça refém, ao mais alto nível, do poder político, o que transforma a sua aplicação numa impostura, com a consequente desmoralização da sociedade e a vulgarização da certeza que o crime compensa. E – bem pior do que isso – sendo num perigosíssimo estímulo para todo o tipo de criminalidade.

A Educação entregue à vertigem das estatísticas, fomentando a ilusão do sucesso, em vez de se orientar pelo princípio da criação de competências.

O Serviço Nacional de Saúde à mercê dos balancetes do ministro das Finanças e, principalmente, do apetite dos privados, prontos para abrir a sua banca onde o governo lhes fez o favor de fechar ou reduzir os serviços públicos.

Uma classe política preocupada, sobretudo, com os seus interesses de casta, quase toda ela vendida ao poder económico. E descarada e impunemente corrupta. O exercício de cargos públicos mais não é que um meio para alcançar vantagens pessoais e da respectiva seita, seja através de legislação conveniente e oportunamente ajustada a esse objectivo, seja pelo desavergonhado jogo de influências que a detenção do poder permite. Poder que, deste modo – e sem rebuço – é usado, a todos os níveis do aparelho do Estado, para a obtenção de regalias pessoais e de capelinha, de modo a que a classe dirigente usufrua de benefícios pecuniários e sociais que são negados à generalidade do povo. Mas que todo o povo é obrigado a pagar. A democracia – esta democracia – estrangula o povo eleitor, mas sustenta, magnanimamente, os democratas eleitos e respectivos séquitos. Para o resto da vida, note-se.

Com a política transformada num meio de promoção económica e social dos políticos e de uma chusma de parasitas e oportunistas de toda a espécie que à volta deles gravita, incólumes aos gravíssimos problemas que afectam a generalidade da população, não é de estranhar que os portugueses tenham desistido de a considerar uma actividade nobre, destinada a resolver esses problemas – que são, afinal, os problemas nacionais. Como não é de estranhar que muitos portugueses já pensem que as coisas são mesmo assim, que parvos são os que não sabem aproveitar as circunstâncias, e que o mesmo fariam, se fossem eles a ocupar o poleiro. A este descalabro – de valores e de princípios éticos – chegámos.

E, como pano de fundo, um poder económico voraz e por natureza desumano, a cujos ditames o poder político obedece, como o cão fiel obedece à voz do dono. Concentrar a riqueza nas mãos de uns poucos; pôr os outros a pagar essa enorme factura, é esse o papel de cada governo. E melhor desempenhado quando é interpretado por um partido que se diz de esquerda, como gosta de se auto-proclamar o Partido Socialista.

Este é o retrato, a corpo inteiro, do Portugal dos nossos dias: um país putrefacto.

Física e moralmente putrefacto.




(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/09/2010.
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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ENTÃO, E OS OUTROS?


Acabou o longo prólogo do processo Casa Pia. Vamos entrar, agora, certamente que por muitos e largos anos, no romance propriamente dito. E, a julgar pelo que já vimos e ouvimos, a coisa promete. Para já, e de tudo o que se passou durante estes últimos oito anos, ficaram algumas certezas.


- A primeira, é que existiam na nossa sociedade – e, seguramente, continuam a existir – muitos cavalheiros cuja área libidinosa lhes dá para se satisfazerem através de relações sexuais com crianças e jovens, preferencialmente do mesmo sexo. Para além de homossexuais – coisa que não pensam ser – são pedófilos.


- A segunda, é que a Casa Pia era, através de um seu empregado – e antigo aluno – a fornecedora de corpos jovens e baratos.


- A terceira, é que um diversificado grupo de indivíduos, bem instalados na sociedade, se dedicou, ao longo de muitos anos, a práticas sexuais com dezenas – eventualmente, centenas – desses jovens, a quem pagavam para o efeito.


- A quarta, é que tal perversidade era assumida como uma coisa banal, um prazer que o dinheiro comprava, como comprava qualquer outro luxo. Extravagâncias de Césares dos nossos tempos.


- A quinta, é que alguns desses sujeitos foram chamados a prestar contas à justiça.


- A sexta, é que outros desses indivíduos – uns por razões sabidas, outros, por razões ainda por saber – se livraram do banco dos réus. (É um dos agora condenados – Carlos Cruz – que confirma isso mesmo, algo, aliás, que o país há muito já percebera).


- E, finalmente, a sétima: vão seguir-se, a par dos expedientes legais tendentes a revogar as condenações agora aplicadas, os expedientes da mais variada ordem, levando a que a necessidade de proteger os pedófilos que agora conseguiram escapar às malhas da lei, venha a provocar que tudo dê em águas de bacalhau. Carlos Cruz já teve o cuidado de enviar, publicamente, os recados necessários às orelhas convenientes, ao perguntar com todas as letras: Então, e os outros? O que soou assim: ou me livram desta, ou abro o bico.


Para além destas certezas, uma esperança: que a Justiça consiga, através deste tremendo processo, provar aos portugueses que existe para garantir o primado da lei sobre a arbitrariedade, a violência e a devassidão, que não há uma Justiça para os pobres e outra para os ricos – ou para os que têm as costas quentes por qualquer partido – enfim, que não está refém do poder político e que não se deixa intimidar nem corromper.


Que nos dê, em suma, um motivo para acreditar que nem tudo está perdido. Que puna exemplarmente os pedófilos apanhados, e que apanhe os que andam por aí ainda à solta.


Os tais outros, para citar Carlos Cruz.



(João Carlos Pereira)


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Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 08/09/2010.

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