No fundo, o objectivo desses contactos porta a porta, ou via telefónica, é tentar impingir aos indígenas cordas para se enforcarem, tais como cartões de crédito, financiamentos e seguros, ou, no melhor dos casos, algo tão dispensável como assinaturas de revistas, novos serviços de telecomunicações e audiovisual, enfim, uma panóplia de produtos que, não sendo de primeira necessidade, se destinam, apenas, a extorquir os últimos cêntimos que possam existir nos bolsos dos incautos, nem que seja através do endividamento. Melhor: preferencialmente através do endividamento.
Hoje em dia, com o país incapaz – ou proibido – de produzir mais riqueza, já que as pescas, a agricultura e a indústria estão condicionadas pela sua incapacidade competitiva – fruto de congénitas inépcias empresariais e desdém governamental – ou das limitações impostas por Bruxelas, e criminosa e servilmente aceites pelos governos nacionais, o emprego que aparece é para andar por aí a vender a banha da cobra da economia global.
Deste modo, uma multidão de portugueses, com contratos precários e pagos ao preço da uva mijona, esfarrapa-se a tocar a campainhas e a subir e a descer escadas, ou a contactar telefonicamente os seus semelhantes, tentando, desesperadamente, levá-los a aceitar aquilo que, se eles de facto precisassem, sabiam muito bem onde encontrar sem serem incomodados a qualquer hora do dia e, muitas vezes, da noite. E porque a manutenção desse emprego e um reforço da magra remuneração mensal dependem da sua capacidade de impingir o produto à vítima, obrigam-se a utilizar todos os meios – eufemisticamente designados por «técnicas de vendas» – para alcançar esse fim. «Criem-lhes a necessidade», ouvem frequentemente.
Muitos portugueses que, infelizmente, não deviam ter, sequer, um porta-moedas, são aliciados a adquirir um cartão de crédito, que vai tornar-se, a curto prazo, na sua desgraça. O medo do amanhã leva-os ainda, a adquirir seguros que nada – ou pouco – cobrem, mas que pagam com língua de palmo. Porque a televisão lhes é apresentada como uma janela para o mundo – para o conhecimento – aceitam comprar pacotes de canais, nada mais pagando, afinal, do que umas horas de anestesia, caso não sejam umas horas do mais puro embrutecimento. E por aí fora.
Em Londres, Paris, Nova Iorque ou Madrid, alguém acumula fortunas à conta desta engrenagem maldita, onde cerca de duzentos mil portugueses, para iludir a fome ou a indigência, são obrigados a um verdadeiros trabalho de extorsão sobre aqueles que, afinal, nada mais são que seus infelizes semelhantes. Portugal é, verdadeiramente, um país em autofagia acelerada.
«Devorai-vos uns aos outros», é a ordem destes banqueiros sem rosto e sem nome, que a última coisa que querem é que os portugueses produzam mais carne, mais leite, mais trigo, mais azeite ou mais aço. Mais pão, afinal.
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